Se bem que ela poderia se chamar outro nome qualquer.
Dores rima com dissabores. Dá no mesmo que sofrimento. Aquele que se lamenta por qualquer motivo. Uma pessoa de mal com a vida. Essa coisa linda chamada vida. Que me acorda todos os dias. Sejam dias cinzentos ou ensolarados como nessa manhã começo de dezembro.
Aliás, por falar em queixumes. Em lamentações. Em doenças.
Eu, como médico, atendendo diuturnamente aos pacientes, procuro não dar tanto valor àquelas queixas desprovidas de lógica. Aqueles queixumes sem ligação direta às doenças. Já que aprendi, com os anos, que grande parte das enfermidades são de cunho emocional. Desprovidas de verdade.
Lógico que quando se trata de uma dor na região lombar. De grande intensidade e que faz vomitar. Penso e acabo de concluir, sem exames que ajudem a esclarecer o diagnóstico, que se trata de uma pedrinha marota que deve ter-se desprendido de um dos rins. Em direção a porta de saída que se chama uretra. E torço para que elazinha saia sem ser preciso de uma ajudazinha. Já que nós, urologistas, somos mestres em encaminhar cálculos renais pra onde eles deveriam estar. Do lado de fora de onde foram formados. Mas certos que eles podem voltar. Como a chuva na roça. Onde ela é bem vinda como as doenças não o são para todos nós. Já que a saúde é um dos maiores bens que somos presenteados em nossa vida que um dia termina.
Doenças. Dores, sofrimento.
Considero esse último como inevitável. Mas que pode e deve ser atenuado de acordo com o nosso estoicismo frente às incontáveis enfermidades que aparecem em nossa vida.
Sentir todos sentem. Mas resistir a dor é característica dos fortes e bravos. De pessoas que aprenderam que a sua dor não é maior que outras. Que uma simples gripe não deve jogar ninguém ao leito. E que esforço físico deve ser praticado sempre. Partindo da premissa que em corpo são as enfermidades não têm vez e hora de acontecer.
Quantas Donas Rosários das Dores já tive a oportunidade de atender em minha lida de médico. Embora pensem que a nossa especialidade seja apenas para tratar de homens não é bem assim que está escrito nas estrelas do nosso diploma.
Mulheres da mesma forma sentem dores quando um cálculo se desloca. E as infecções urinárias não mais prevalentes entre elas. Elas são afortunadas por terem nascido sem a próstata. E não apresentarem dificuldades para urinar quando mais idosas.
Dizem, com muita propriedade, que elas são mais zelosas com a sua saúde. Conquanto nós, machos, só procuramos médicos quando as dores apertam.
Essa dona Rosária, que bem poderia se chamar Maria das Dores, ou símile.
Faz um tempinho me procurou no consultório.
Chegou acompanhada dela mesma. Dá no mesmo que dizer – veio só.
Pelas contas ela deveria ter mais ou menos uns cinquenta anos. Mas parecia muito mais.
Assentou-se à cadeira defronte a minha desfilando um rosário de queixas.
Todas elas anotadas criteriosamente numa folha de papel chamex.
Antes que eu começasse as perguntas ela logo foi se adiantando: “doutor. Não me leve a mal. Tenho tantas queixas que nem sei por onde começar”.
“Comece pelo começo”. Assim falei na intenção de quebrar o gelo entre nós.
E ela abriu seu embornal de queixumes.
“Doutor Paulo. Vim aqui por indicação de uma prima torta. Aliás, ela tem as duas pernas tortas. Não as três, evidente. Tenho dores desde a ponta do dedão do pé esquerdo até chegar ao fio de cabelo. E como ele tem caído. Nem tomo banho mais. A escova fica cheinha de pelos. E mesmo deitada nem tento dormir. O senhor já experimentou dormir desacompanhado? Eu já. É ruim demais. Sem ter com quem nos queixarmos é um martírio. Meu falecido esposo acabou fugindo com outra mulher. Já enfarado de minha pessoa boa. E, antes que eu me esqueça. Olhando as minhas anotações. A minha barriga tem crescido muito. Parece que estou prenha. E que cólicas eu sinto no andar de baixo. E não mais tenho menstruarão. Já que me considero de passagem por aqui. Ah! Não enxergo de longe nem de pertinho. Só não uso óculos, pois ainda não tive tempo de procurar um oculista. Ainda vou. Mais um ah! Antes que eu me esqueça ainda tenho uma tesão danada. Só que não tenho companhia. O que o senhor me aconselha”?
Antes que o mal cresça despedi-me da dona Rosária. A consulta já estava pra mais de duas horas. E ainda por riba ela pediu desconto.
Imagina se aquela senhora, do tal rosário de queixas, me convidasse pra ir a um motel? Ela com seu fogo aceso e eu com meu apagado. Não iria dar certo o nosso colóquio amoroso.