Escombros do descaso

Quando passava pela estrada, pertinho da porteira da minha roça, no município de Ijaci, antes passava os olhos numa escolinha rural, acanhada, creio que constava de duas salas de aula, ou seriam três?, uma copa onde as crianças que viviam nas cercanias, mais as professoras, as cuidadoras da fábrica de futuros adultos, letrados personagens de um país onde, infelizmente não se cultiva o hábito da leitura, bem dizia o grande Monteiro Lobato – um país se faz com homens e livros, acrescido da vontade de trabalhar de verdade (adendo meu).

Agora, infelizmente, acabaram por encaminhar as mesmas crianças, crianças ainda são crianças, quando elas perderem o prazer da infância creio que muitas delas perderão o prazer dos sonhos, a outras escolas da cidade perto, a linda Ijaci que amo a combustão dos meus senões.

Não mais verei aquele pátio tacanho apinhado de coraçõezinhos jovens pululantes de felicidade, aqueles rostinhos ávidos por aprenderem as primeiras letras pulando amarelinho, aquele joguinho dos meus saudosos anos que hoje foi substituído por brincadeiras em computador, a hora do recreio as professoras descansam, ávidas por retornarem ao segundo tempo do aprendizado, já quase finando a manhã, pois os estudantes que antes passavam horas ricas em amizade, entre seus coleguinhas que tentavam incutir nos pais, roceiros, mãos caludas e testas queimadas pelo sol, um cadinho da educação que aprendiam por ali.

Agora a mesma escolinha se viu entregue apenas às saudades. De um tempo bom, alegre, cheio de sol, melhor quando a chuva caía, ternamente, manchando de verde a natureza em volta.

A tal escolinha, que ainda se mostra, em ruínas, pertinho do mata-burro que faz divisas com meu pedaço de chão, está vazia de alunos. Como acredito, entre aquelas paredes caiadas de palha seca, no meio daquele cenário de tantas e tantas lembranças que apenas não se eternizam por um singelo motivo: a eternidade não existe, o que resta no rastro dela são apenas saudades.

Ah! Por mais que deseje não paro de falar, ou escrever, sobre reminiscências. Esse fato se deve, única e exclusivamente, à maldita sensibilidade que me martela por dentro.

Mais uma vez deixo aqui, nesse texto, o que mora dentro de mim não são apenas músculos, vísceras, órgãos partícipes do aparelho circulatório. Ao lado deles, intrinsecamente ligados, estão a emoção, a capacidade de sentir em demasia, a falta de não ficar imune a dor de outrem, a minha próprio ignoro.

Não vem de hoje a minha obsessão de tentar transformar o destino de uma pracinha, nas barbas do condomínio onde moro, de cão vadio em cãozinho de madame rica.

Ela, a tal praça da FM, alcunhada com o nome de um tal tenente, nem sei quem foi, ou ainda o é, mais parece aquela escolinha rural, sobre a qual dei começo a essa crônica.

De vez em quando ali percebo, na parte de cima da tal pracinha, pertinho de um bar lanchonete, onde se escutam melosas músicas sertanejas, as quais adoro, cavalos, burros, éguas, amarrados como se estivessem cumprindo pena por qualquer afano. Ou crime ainda pior.

Eles, os tais animais de quatro patas, ficam estacionados à sombra de dois ipês amarelos, dois coqueiros que não mais espirram coquinhos, a espera pacienciosa de que seus donos acabem de tomar as cervejas, bem ao ponto, geladíssimas, neste verão rabugento.

Na meia praça, perto da pizzaria, de um dono simpaticíssimo, fica um gramado, que de grama mesmo só tem mato sujo. Quando podam aquilo tudo, e alguém risca um fósforo, cuidado com os incêndios! Eles podem queimar a língua de quem nos governa a cidade.

Um dia tive uma ideia, das muitas que me assolam os neurônios hiperativos.

Que tal ali fincar um cantinho das letras naquela pracinha enjeitada?

Submeti à prefeita, de então, essa ideia estapafúrdia.

O poder público nada despenderia para ultimar o projeto cultural. Pediria apoio às empresas, aqueles que se transformariam em mecenas das artes literárias.

O púlpito, ou pedestal, feito de acrílico, ou outro material resistente aos coices e trovoadas, não dos cavalos amarrados ao tronco dos coqueiros, ou aos dois estóicos ipês, e sim das intempéries da vida, seria o local onde se mostrariam textos os mais distintos. Selecionados nas escolas da comarca, conhecida como Cidade dos Ipês e das Escolas (nada mais notável).

Até hoje o projeto não teve o ok da prefeitura, com o aval da câmara municipal. Quem sabe agora?

Um dia destes, se não me equivoco foi trasanteontem, uma árvore de médio a grande porte, não sei qual a espécime, seria um Flamboyant?  (quem sabe é a Alessandra, notável paisagista e escritora), foi tombada, ou tombaram-na, a poder de moto serra. Agora, quando da subida ao condomínio, notei que levaram o resto da lenha da pobre árvore morta.

Ao olhar, atentamente, os escombros de onde estava a tal derrubada, sem sinal das raízes que estavam sofrendo no âmago as desventuras do abandono, foi que pensei em que título dar a esta crônica.

É só ler o nome, no começo que agora chegou ao seu final…

 

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