As corridas, de tempos pra cá, têm feito parte da minha rotina.
Corro diuturnamente na esteira, de um clube da minha idade, bem perto do meu passado (exemplifico – da rua onde ainda fica a casa onde cresci, quantas vezes já citei aquela rua de nome Costa Pereira), foram tantas e tantas que até já me esqueci.
Corro também pelas estradas asfaltentas, as de terra batida, empoeiradas ou enlameadas, em percursos dignos de carros velozes, com seus motores possantes.
Tenho corrido a vida toda, ou atrás de alguma coisa, que até mesmo ignoro, talvez seja atrás da felicidade, da paz de espírito, da inspiração que, felizmente não me tem desabrigado, do amor intenso que dedico à família, embora, por vezes, não tenho sido bem entendido.
Perto de oito meses atrás essa mesma família foi acrescida de mais uma pessoinha linda, olhos de cor ainda indefinida, cabelos agora tintos em louro clarinho, como clara lhe tinta a pele, talvez um dia ela escureça, como o céu que hoje se mostra claro, mas pode chover com o tardar das horas, coisinha linda que não apenas me faz sorrir, como ir às lágrimas quando me lembro de que passei, por motivos involuntários longe dele, ontem afinal ele aqui apareceu, bracinhos fofos e me fazerem pegá-lo no colo, andei alguns metros apenas com meu netinho entre os braços, feliz da vida por mais este presente de Deus.
Corro, felizmente as minhas pernas ainda são fortes do bastante, não sei por quanto tempo mais, ou menos, elas resistirão, abomino quem tem o costume insalubre de fazer dos automóveis suas bengalas, pois minha caminhoneta prata fica o tempo todo na garagem, quantas e quantas vezes teve a bateria arriada, mesmo assim a mantenho sossegada à sombra de uma árvore, à porta da minha morada, ronronando como um gatinho manso.
Corro, caminho, melhor dito, quase a totalidade dos meus dias de médico urologista. Não me estresso a exemplo dos motoristas que sofrem com os engarrafamentos, presos num trânsito suicida, neste calor de verão agourento.
Tenho corrido atrás de tantas e tantas coisas, nestes inexatos mais de sessenta e sete anos: do sucesso financeiro (não mais corro mais), do dinheiro (recorro menos), da estabilidade nos negócios (médico não pode, e nem deve, ser taxado de negociante, pois a vida dos pacientes não é posta como mercadoria num balcão de supermercado), das benesses que a vida do idoso me traz (não pago ônibus, como me apraz andar de circular), da qualidade de vida, do bom humor que me acompanha como um cão fiel, do apreciar a vida singela dos ares da roça, do amor às crianças, cada uma delas por que passo nas ruas penso ser meu neto Theo, do prazer em observar a florada dos ipês em meados de agosto, tardar setembro, do respeito aos mais velhos, ainda bem que ainda me considero um menino levado, e, quando alguém me chama de idoso olho pro lado, torço o pescoço, estico a cabeça, mas, não percebendo ninguém além de mim, mesmo assim, ou assado, não dou o braço a torcer: continuo do meu jeito, brincalhão, folgazão, avesso a discussões infrutíferas, a palavreado de baixo calão, pois a minha emoção é por demais intensa para perder tempo com futilidades, coisas próprias de qualquer idade, não a minha.
Hoje mesmo, quase agorinha, ao sair dos portões do lindo logradouro onde moro, e não pretendo me mudar, a não ser a outro lugar onde estão meus pais, avistei uma moçoila linda, de fone nos ouvidos, como eu, descendo a rua rumo à escola.
Ela estava alguns metros adiante. Não sei bem qual a sua idade. Ainda não o bastante para estar nalguma faculdade, em poucos anos talvez ela receba um diploma de curso superior.
E como ela andava veloz! A passos de seriema peralta.
Tentei chegar até ela aumentando a velocidade das minhas pernas. Não foi o bastante.
Ela ainda andava metros compridos a minha frente.
De nada adiantava chamá-la pelo nome. Se bem que a conhecesse, era quase minha vizinha, não lhe sabia a identidade, qual palavra maiúscula era grafada na sua certidão de nascimento.
Tenho, e tinha, apenas a certeza de que ela era muito mais jovem do que meus anos mostravam. Quantos, não saberia ditar.
Tive de correr, com a pasta escura onde sempre carrego um livro meu, por uns breves instantes até conseguir me emparelhar com ela.
O fato se deu logo. Tiramos os fones de ouvido. Ainda me lembro de quando ela sorriu em minha direção. Fomos em passeios opostos cada um em busca do seu próprio destino.
Ela, rumo à escola, verde e branca, onde eu também passei anos verdes ali dentro, que saudade daqueles tempos fecundos, da primeira namorada, do beijo selinho que alguma garota em minha face deixou.
Logo a perdi de vista. Agora ela já deve estar na escola. E eu aqui me lembrando dela. Perdido dentro dos meus devaneios.
Hoje tenho corrido atrás de tantas e tantas coisas, que nem sei contá-las.
Já correr atrás dos anos foi a primeira vez que aconteceu.
Foi certo que consegui alcançar, graças as minhas pernas andarilhas, aquela moça menina, simpática pessoinha, que um dia vai ficar velha, a meu exemplo.
Assim como é certo que nunca conseguirei alcançar, ou melhor, voltar atrás os anos que sumiram no calendário insano do tempo.
Que pena…