A minha por certo foi o dia da partida dos meus pais.
Meu paizinho querido nos deixou antes. Minha mãezinha amada alguns poucos anos depois.
Mas outras tristezas me acompanharam vida afora. Foram tantas que nem me lembro delas.
Em contrapartida alegrias imensas tive comigo durante esses setenta e cinco anos que completei. Assoprar tantas velinhas, figura em destaque nos meus aniversários. Agora não as assopro mais. Tenho medo de incendiar a sala de tantas que são.
A felicidade a tenho comigo. Imbricada em meu peito. Mas nem sempre a encontro. Nossos desencontros têm sido frequentes. Mas não desisto de encontrar a tal felicidade. Procuro-a em lugares imprevisíveis. E quando a encontro prendo-a entre meus dedos com medo de ela escapar.
Alegria e tristeza. Sentimentos díspares. O primeiro demonstra contentamento. O que vem depois enseja angústia, sofrimento, uma dorzinha estranha que nos cavouca o peito. Por vezes sem motivo aparente. Mas que ambas moram dentro da gente não tenho dúvidas.
Já aquele meu amigo. Pessoinha sem defeitos. De nome descomplicado como soi ele só.
Alguns o chamam de Zé da dona Josefina. Outros, em boa hora, não se esquecem de que elazinha hoje mora no céu.
Já outros o batizam de Zé Boa Gente. Pois seu único defeito é ser bom demais.
Mas eu o conheço por Zé da Enxada. Pois dela nunca se apartou.
Temos uma relação de amizade que já dura anos. Embora pouco nos encontramos.
Eu moro aqui e o Zé acolá.
Na semana passada soube do passamento da sua esposa amada. Dona Josefa, o grande amor de sua vida, subiu aos céus sem pedir licença. E como o Zé sofreu naquela hora. Disseram-me que ele quase entrou no mesmo ataúde. Deitou-se junto dela e só saiu à porta do túmulo quando lacraram a sepultura. E ali permaneceu a noite inteira. Mas se deixassem dali não sairia nunquinha. Pediria licença ao paizinho do céu pra viver juntinho de sua amada. E até hoje se pode ver uma velha fotografia mostrando os dois abraçadinhos. Sobre o tampo de mármore frio naquele jazigo que se perpetua até hoje nas lembranças mais ternas do meu amigo Zé da enxada.
Foi no sábado passado o nosso reencontro. Não pude ir ao sepultamento da sua amada Josefina.
Encontrei o Zé da enxada desconsolado. Amuado e demonstrando uma tristeza imensa. Ele não sorria desde o infausto acontecido. Também pudera! “Sorrir de quê? Ou pra quê”? Desconversava o infeliz.
Mas tentei consolá-lo. Mesmo sabendo que seria tarefa não grata.
Contei um velho chiste. Como percebi que de nada adiantou me calei. Emudeci.
Os olhinhos do velho amigo lacrimejaram. Esperei até as lágrimas secarem. O que só aconteceu horas depois.
Tentei contar alguns momentos maiores da minha tristeza. Mas ele continuava calado. E de seus olhos úmidos escorriam outras lágrimas. Nada o fazia esquecer-se de sua amada Josefina. Ele a tinha como seu único e maior amor.
Continuei falando de amenidades. Tentando diminuir sua tristeza.
“O tempo vai bem não é meu amigo. Tem chovido na hora certa. A roça de milho logo vai crescer e dar espigas graúdas. Nada como milho verde assado na brasa. Ou cozido n’água bem quente temperado com uma pitadinha de sal a gosto. Você vai tirar férias Zé? Tá na hora de descansar”.
Ele ouviu tudo sem se manifestar. Olhava pro nada com aquele olhar tristonho.
De repente soltou o pio. Mais parecia um trinado sem alegria de um bem te vi procurando a fêmea.
“Meu amigo de tantos anos. Desde que minha querida Josefina partiu não tenho motivos para viver novamente. Ela era a única alegria que tinha na minha vidinha insossa. Era ela quem preparava minha comida. Lavava minhas roupas com todo capricho. De vez em sempre íamos à cidade. Era ela quem controlava meus parcos rendimentos. Durante a noite era sempre ela que dormia ao meu lado. Nunca brigávamos. A última palavra era sempre dela. Sim ou não e eu aceitava suas ordens sem pestanejar. Naquelas noites quentes, quando acordava bem cedinho, e minhas costas coçavam e eu não podia coçar. Quem roçava suas unhas bem cuidadas nos meus costados? Era elazinha, minha querida Josefina. Agora, que minha amada Josefina se foi, a minha maior tristeza é não mais ter quem coce as minhas costas. Saudades dos seus dedos roçando de leve nas minhas costelas. Agora só me resta ir de encontro a ela. Quem sabe ela me espera lá no alto. Para coçar de novo as minhas costas”.
A minha maior tristeza vai ser igualzinho a dele. Sem a minha Rosa a relar os seus espinhos nas minhas costas cosquentas.