Depois de certa idade vamos perdendo quase tudo.
Começa pela mocidade. A infância se foi ao longe.
A fase produtiva deixa de produzir. Se temos a intenção de enricar que seja na fase adulta recém inseridos no mercado de trabalho.
Depois de velhos passamos a dar trabalho. Pobre de quem cuida da gente.
De fraldas sujas passamos a usar fraldões. Somos considerados cartas fora do baralho.
Nada a perder penso eu. Se perdemos nossa carteira quem a encontra vai constatar que ela está vazia. Nem lenços ou documentos já que perdemos nossa identidade. Lá se vão os bons tempos de outrora. A fase melhor da vida dizem ser essa que atravessamos. Jubilados, aposentados, com todo o tempo do mundo para tentar curtir nossa velhice. Mas quem diz que conseguimos? Se nem andar direito somos capazes. Nem sonhar podemos. Já que a maior parte de nossos sonhos se transformam em pesadelos.
As perdas da idade perdem de longe para os ganhos. Quem diz que iremos ganhar um lugar no céu será que vai acertar? Melhor pensar noutro lugar. Pensando no calorão que tem feito o inferno parece ser o lugar mais adequado a nossa despedida.
Nada a perder. Assim pensava meu amigo Chico do Aquenta Sol.
Por que esse nome? Podem perguntar.
Chico é seu pré nome. Aquenta sol é o bairro onde ele morava. Só.
Solidão nunca o incomodou até certo dia. Quando nele apareceu um carocinho no lugar onde nos tempos recentes só servia para urinar. Depois o tal caroço cresceu. Amadureceu e enraizou quem nem cenoura dura imprestável para cozinhar.
Chico Aquenta Sol tinha uma saúde até então difícil de levá-lo a consultar. Ele tinha verdadeira ojeriza pelas doenças. Praguejava e abominava quando um bicho de pé fê-lo ver a vozinha pela greta. E o danadinho por ele caiu de amores. E vivem juntinhos até os dias de hoje.
Dessa vez a doença era coisa séria. Esse carocinho provou-se ser uma doença maligna. Que em pouco tempo fez o Chico baixar ao hospital de onde nunca mais saiu.
Foi quando o visitei numa segunda feira. Era tarde. Quase noite.
Encontrei o velho Chico a beira da sepultura. Embora ali não fosse o cemitério ele me pareceu assim.
Esquálido, branco que nem neve fininha. Dessas que nos faz enregelar por dentro. De uma magreza tamanha que lhe permitia ver sualma.
Chico me pareceu uma alma penada prestes a ser depenada de suas poucas penas. Mesmo assim ele sorria. Um sorriso alegre e ao mesmo tempo triste.
Foi ele quem puxou prosa.
“E ai? Tá tudo bem com você? E a família? Tá como a minha que não tenho noticias? Estou aqui perdendo tempo. Já nem sei mais quanto tempo me resta. A minha doença já se alastrou para o corpo inteiro. Aquele carocinho já virou caroção. A culpa foi minha, pois não operei de fimose. Agora é tarde. Pensava que não tinha nada a perder. Mas por descuido acabei perdendo o melhor tempo de minha vida. Minha velhice agora ficou reduzida em frangalhos. Definho nesse leito de hospital. Nada tinha a perder até quando aquele carocinho apareceu. Por desleixo não o procurei meu amigo urologista. Agora penso ser tarde para uma amputação radical, me disseram os médicos”.
Deixei meu amigo Chico do Aquenta Sol pensando na vida.
Quantos Chicos já passaram pela minha lida de urologista. Quantas fimoses poderiam ter sido operadas sendo prevenidos tantos cânceres de penis.
Dias depois o não tão velho Chico acabou perdendo o bem mais precioso que ele tinha.
Não um monte de dinheiro. Ou alguns bens materiais.
Dai o meu apreço pela saúde. Cuidem bem dela, pois quando a perderem pode ser tarde.