Que dia lindo amanheceu naquela sexta feira dezessete de janeiro.
Choveu de mansinho durante a noite.
Zé acordou meio desequilibrado. Trocando as pernas de tão cansado.
Afinal o último descanso foi há tantos anos que ele nem se lembrava mais.
Zé é um trabalhador que não se desgrudava um dia só do trabalho.
Também pudera. Com aquela rocinha pra cuidar. Com as vacas sempre famintas. Com a pastaria carecendo de roçar. Não lhe sobrava nem mesmo um final de semana para um descanso. Por mais que merecido.
Aos quase setenta anos a idade não lhe pesava nos costados. Cabelos ainda negros. O rosto mais parecia de um jovenzinho a cata de espinhas que de vez em quando apareciam. As pernas rijas como o cerne da amoreira. Só lhe faltava um descanso. Que não lhe permitia desde quando adentrou nos vinte anos.
Zé Peleja vivia pela família. Seus filhos eram seus braços direitos e também os esquerdos. Sua mulher era uma pessoinha sem defeitos.
Zé vivia pelo e para o trabalho. Na sua fazendinha acordava ao nascer do sol. E dormia ao sonhar com a lua.
Nada o impedia de montar no cavalo. Em busca de uma vaca extraviada desde a noite passada. Onde estaria a Braúna? Ela estava de mojo cheio prestes a parir. Depois de quase um dia inteiro a procura acabou por encontrá-la, com sua cria ao pé, num matinho perdido nos confins de onde Judas perdeu as botinas. E foi uma dificuldade trazê-la ao curral. Mas tava acostumado a enfrentar situações como essa. O trabalho não o intimidava. Ao revés, injetava sangue novo em suas veias.
Naquela madrugada ensolarada fazia um calorão de frigir ovos no asfalto. A temperatura subia as alturas de um prédio de cinquenta andares.
Nem isso intimidava o Zé Peleja. Não era de seu costume faltar um dia sequer ao trabalho.
Diziam, nas cercanias, que Zé Peleja começou a trabalhar aos menos de cinco anos. Seu pai dependurava no seu bercinho, ao invés de penduricalhos, coisiquinhas como foices e enxadinhas. Com as quais Zé Pelejinha se distraia. Passava horas inteiras tentando alcançar aquelas coisinhas dependuradas lá no alto.
Zé cresceu no trabalho. Pouco estudou, pois tempo lhe faltava.
Quis o destino que o pai lhe faltou antes dos dez anos. A ele sobrou cuidar daquele pedaço de pasto sujo que elezinho acabou limpando.
Antes dos quinze já tinha engordado a propriedade em mais cinquenta alqueires. Aos vinte já era considerado um latifundiário.
Zé nunca renegou sua origem modesta. Quando o chamavam de Riquinho ele mostrava os calos nas mãos.
Com o tempo passando Zé foi ficando mais e mais esperto. Comprava terras ao derredor. De posse de dez tratores arava e plantava roças de milho aos vizinhos.
Aos trinta não tinha tempo pra quase nada. Nem para se dedicar a família que tanto amava.
O tempo passava e Zé a cada ano dizia: “um dia vou descansar”. Mas esse dia não chegava nunquinha.
Foi nessa manhã ensolarada que Zé acordou. Nesse janeiro fatiado ao meio.
Era o ano de dois mil e vinte e cinco. Data onde estamos.
Uma dorzinha no peito incomodava o Zé Peleja. Que o fez acordar no meio da noite.
Suava e praguejava contra essa moléstia que nunca o incomodou dantes. O que seria? A ele mesmo se perguntava.
Foi levado ao pronto socorro uma hora depois. Ali já chegou desfalecido. Sua pressão arterial despencou nas baixuras. Foi-lhe diagnosticado um infarto do miocárdio.
Um dia depois Zé foi chamado a trabalhar no céu. Ledo engano quem pensa que ele enfim descansou.
Daqui de baixo pode-se ver o Zé Peleja roçando a pastaria nas nuvens. A procurar vacas extraviadas na azulice do céu.
Zé enfim descansou eternamente. Não do trabalho que tanto amava. E sim da ambição de comprar novas propriedade e enricar cada vez mais.