Nem sempre a gente tem tempo de olhar pro outro lado.
Dada à azáfama da correria que a vida nos impõe.
A pressa do afogadilho nos afoga num mar revolto. O trabalho, as contas a pagar, o dinheiro que anda em falta. A rotina que nos massacra. O tempo ruge como um leão faminto.
Quando se olha no relógio as horas passam num ritmo que não nos permite respirar.
Dias se sucedem. Meses se vão e o ano termina.
E quanto mais velhos ficamos menos tempo a vida nos brinda.
De vez em quando me curvo a mercê dos meus problemas. Sinto o peso deles a me molestar no dia a dia.
Dificuldades me atropelam. Falta-me quase tudo e ao mesmo tempo nada.
Falta-me o sono. A inspiração me consome durante as madrugadas.
De vez em sempre penso no que fazer no dia que recém começa. Chego ao consultório a mesma hora. Nessa segunda feira, janeiro na sua metade, olho a agenda. Na data de hoje, treze, ela ainda se mostra vazia.
Começo a atender a partir das oito. Antes dessa hora escrevo.
Sinto-me não a vontade. Pressinto que esse vai ser um dia como os outros. Céu cinzento, mais chuva no decorrer do dia.
A rotina me assalta. Como seria bom se pudesse viajar. Férias ainda não tirei nesse final de ano. Quem sabe se no mês seguinte consiga tirar uns dias pra descanso.
Pensando na vida aqui me encontro. À mercê das minhas ideias que não têm parança.
Tenho tido contrariedades nesses meus setenta e cinco anos. A saúde felizmente não me abandonou ainda.
Alguns probleminhas com a visão me atormentam. Mas tem sido contornados.
A urina anda meio divagar. No dia em que ela parar de vez tenho de criar coragem e me operar da próstata. Quantas cirurgias desse tipo tive de fazer. Mas considerando que pimenta arde nos olhos dos outros nos meus reluto em deixar arder.
Durante esse anos de vida quase não tenho do que me queixar. Que família linda ajudei a criar. Três netinhos lindos e inteligentes. Dois filhos amados que vivem quase ao meu lado. Uma parceira que cuida dos meus parcos rendimentos. E como ela entende de cifras como eu tento dar vida as palavras.
Durante meu tempo de vida algumas coisas têm me afligido. São poucas considerando a maioria.
Dinheiro não é bem o caso. Saúde, como disse, a tenho a dar aos outros.
Nessa hora temprana volto o pensamento ao meu amigo Tião da dona Inês. Que figurinha simpática. Sempre de bom humor. Rindo das próprias desventuras.
Nunca o vi contrariado. Ele próprio diz, com muita propriedade: “azar pra mim é festa. Quando me vejo em dificuldades fecho os olhos até que o clarume da manhã inunde o novo dia”.
De fato deveria ser assim o despertar de um novo dia. Mesmo que ele amanheça carrancudo por que não abrir-lhe o semblante carregado?
O velho Tião, a essa hora cedo deve estar ordenhando as vacas. Naquela barreira de fazer atolar qualquer incauto que por ali passe.
Antes das nove ele já está com a carroça cheia de latões de leite no alto ao morro. O caminhão leiteiro não se atreve a descer lá embaixo no curral.
Antes das onze ele já esquentou a marmita na trempe fumegante do fogão a lenha. Tem um tempinho para um cochilo. Menos de dez minutinhos, se tanto.
Na parte da tarde, que pra ele finda antes das sete da noite. Um soninho bom lhe fecha os olhos. E ele dorme como uma criançinha inocente. E desperta sorridente.
O velho Tião, pensam que ele não tem problemas? E como? Ele os coleciona aos milhares.
O preço do leite despencou. Em contrapartida dos insumos. Que vão as alturas.
A safrinha do milho não vingou. Faltou chuva na hora de mais precisão.
A horta de couve foi tomada pelas lagartas. Os pés de alface, pobrezinhos, não deram folhas que prestasse. As cenourinhas minguaram. O jiló amadureceu antes de crescer.
Tudo parecia ir de mal a pior na rocinha do velho Tião da dona Inês. Mas quem diz que ele perdeu a esperança em dias melhores?
Nessa manhã cinzenta de janeiro acordei meio amuado. Faltava-me alguma coisiquinha de nada para ser feliz. Não encontrei a explicação dentro de mim. Do lado de fora da janela o sol brilhava. Aqui dentro pairava a escuridão dentro de minhalma.
Foi quando me vieram as ideias a vida do amigo Tião.
Ele sempre sorrindo. Feliz da vida consigo mesmo naquela vidinha descomplicada.
Mesmo refém das intempéries ele sorria. Não se queixava do preço do leite em queda. Ou das verduras que a chuva prejudicou.
Ao abrir a janela do meu quarto. Olhando pro céu que azulava.
De repente mudei meu semblante antes anuviado.
Sabem por quê? Foi pensando no velho Tião que aprendi que a vida não se resume apenas em tristeza. Deve-se olhar pro outro lado onde o sol se abre em luminosidade.