O lambe lambe da saudade

Hoje, dezembro em seu começo, acordei com um resmungo do céu.

Agora mesmo chove mansinho. O ar quente parece que vai se atenuar.

Bom sinal pra quem se atreveu a plantar. As roças agradecem penhoradamente aos céus.

Pezinhos de milhos, recém eclodidos da terra, dizem muito obrigado ao nosso Senhor.

A chuva deveras é uma bênção. Sem ela não sei o que seria da gente. Pode ser que ela traga dificuldades aos caminhantes na chuva. Soberbamente nas cidades. Na roça é só alegria.

Quem não se ateve a observar velhas fotografias descoloridas pelo tempo não sabe o que é ter saudade.

Eu mesmo tenho algumas delas aqui pertinho. Às minhas costas posso ver eu menino serelepezinho peladinho no galinheiro. Correndo um risco enorme de perder minha fimose. Já que galinhas brancas olhavam gulosas meu piupiuzinho. Podendo confundi-lo com uma minhoca recém saída da terra. E noutra fotografia posso ainda me ver de dedinho em riste apontado para qualquer colsa que não se deixa ver. Vestindo um terninho azul marinho. Dizem que ele foi feito de um naco de pano de um terno do meu avozinho Rodartino.

Há tempos, anos avoam, na mesma Boa Esperança de antão. Ainda criança, antes de vim ter por aqui na minha Lavras querida. Pude ver, noutra pracinha, um velho lambe lambe fazendo fotografias. Quando ele tentou fazer a minha minha mãe permitiu. Não sei por onde anda aquelazinha. Talvez numa gaveta esquecida num sótão que não existe mais. Apenas dentro da saudade que brota em mim.

Sou Rodarte no primeiro sobre. Abreu vem a seguir.

Rodarte herdei de minha mãezinha. Abreu foi legado do meu saudoso pai.

Dos Abreus da segunda geração só restam primos meus. Os irmãos de meu pai todos moram no céu.

Já os Rodartes, aparentados a minha mãe, apenas um deles vive pra contar a história. Daqui posso ver a rua onde morávamos.  Bastante mudada entregue as saudades.

Já não tenho mais minha mãezinha aqui comigo. Meu pai vive junto dela lá no alto.

Meus tios Chico, tia Cida, não menos amada. Tio Rui que nos deixou prematuramente. Agora vivem apenas nas minhas lembranças. Que saudade tenho deles.

Só resta ele. A quem chamo de Lambe Lambe de saudades.

Tio Rubio parece resistir ao tempo. Ele não envelhece como acontece à maioria da gente.

Sempre lúcido ele caminha a passos lentos rumo à eternidade. De vez em quando ele aqui aparece sem se anunciar. A última vez foi na sexta feira. Com a mesma disposição costumeira. Vindo de longe, de nossa capital federal onde mora junto a sua filha maior.  Trazendo nas mãos um presente de aniversário pra mim. Seu sobrinho dileto. Digo sem pedir seu aval.

Tio Binho, como costumava chamá-lo minha mãezinha. Era seu xodó. Seu irmãozinho mais novinho tio Rubio resiste ao tempo. Seus quase noventa em absoluto não lhe atestam a idade. Qual seria a receita de sua longevidade?

Pra mim a resposta ele a tem na ponta da língua.

“Meu querido sobrinho. Primeiro leio muito. Já Il todos os seus livros. Sei de cor quase todas as suas últimas crônicas. O que faço em Brasília? Leio e não perco tempo em ouvir noticias sobre política. Exercito-me e caminho sempre. E de vez em quando apareço por aqui”.

Tio Binho me trouxe, além de uma garrafa de bom uísque. Um belo regalo chamado de o Pequeno Príncipe. No qual prometo passar os olhos de vez em quando.

O último dos moicanos, que tem o Rodarte no sobrenome. Ainda me trouxe velhas fotografias. Uma da minha mãezinha e ele numa ocasião festiva de sua colação de grau. A segunda de minha avozinha Belica ainda jovem. A terceira de seu pai, meu avô Rodartino Rodarte. E a derradeira da velha casa onde nasceram os Rodartes. No começo da Costa Pereira.  Tinta em cor palha. A frente cercada de grades baixas. Não dá pra ver o jardim onde minha avozinha plantava rosas amarelas.

Tio Binho é, como eu, um saudosista.  Um lambe lambe de saudades. Pena que os bons tempos não voltam mais…

 

 

 

 

 

 

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