Nunca seria demais lembrar. A todos aqueles que já deixaram a mocidade bem longe.
Já cruzaram em muito a serra. Ultrapassaram os quarenta e cinco. Se antes apresentarem sintomas de interrupção da urina. Uma vontade imperiosa tiveram de se levantar durante a noite. Senão iriam ensopar o pijama. Deixando a pobre esposa contrariada no caso de ter sobrado a ela aquele odor característico de urina. Que esse mês, que ora atravessamos, não apenas o céu se mostra azul. Como se comemora, em boa hora, o mês dedicado ao escrutínio das doenças da próstata. Uma glandulazinha marota que só tem serventia quando se é jovenzinho. Já que uma vez passados da idade ela só incomoda. E grandona, obesa e crescida acaba entupindo a saída da urina. Provocando percalços ao pobre ancião. Que se não tratar em tempo hábil acaba complicando seu futuro já tão curtinho.
Novembro é azul não apenas na cor do céu que nessa manhã se deixa contemplar. Azul também na cor da alma dos anjinhos. Que ainda não pecaram. Não ludibriaram. Não tiveram tempo ainda de atraiçoar.
Novembro enseja coisas boas. Quase natal chegando. O ano velho se despedindo. E por que não dedicá-lo a nossa especialidade. Tão temida e evitada. Que não deveria ser postergada quando a idade chega. Conquanto as mulheres se deixem examinar com tanta frequência os homens fogem da gente como o capeta da cruz.
Não se sintam avexados uma vez chegada a hora. Não pensem que o toque vai fazê-los menos machos. Ele não dura mais que um minutinho. Não arranha nem tira pedacinhos. E não precisa trazer um vaso de flores ao seu urologista na próxima consulta.
Faça o toque sem ser preciso retocar sua maquiagem. Venha preparado e bem relaxado. Não se sinta como pior momento de sua vida. Outros piores virão.
Ainda me lembro daquele dia.
Era ainda bem cedo. O sol de pouco se levantou. A lua ainda cochilava depois de uma noite de amor com sua amada estrelinha. Ainda bocejante, uma dessas estrelas dava ordens ao firmamento: “esperem o nascer do dia. Não se apressem. Fiquem calminhas. Em boa hora a noite chega”.
O telefone fixo tilintou. Uma vozinha fanha do outro lado da linha se deixava ouvir.
“É do consultório do dotô? Ele é quem faz exame daquilo? Estou aperreado. É com o senhor memo que falo? Pode me atender ainda hoje”?
Apenas disse que sim. Era ainda cedo. Começava a atender depois das oito. Pode chegar depois dessa hora?
Seu Fanho, era esse mesmo seu nome, confirmou a hora exata. E nem perguntou mais nada.
Antes de a minha secretária chegar lá estava seu Fanho. Comodamente assentado na sala de espera.
Deixei meu espaço e fui cumprimentá-lo. Estendi-lhe a mão. “Muito prazer; doutor Paulo Rodarte. Espere um cadinho. Em alguns minutinhos minha fiel escudeira vai estar aqui. Fique a vontade”.
Notei que Seu Fanho estava meio ansioso. Alguma coisa o importunava. Já sabia de antemão o que seria. Sua calça estava ensopada de um liquido mal cheiroso. Que me lembrava o cheiro de urina vencida.
Enfim Seu Fanho adentrou a minha sala. Deixei-o a vontade para relatar seus queixumes.
“O que o trouxe aqui”?
“Ah! Foi o busão das cinco e meia. Cacei no mato minha égua baia. Mas cadela? Não podia vir de pé, pois minha rocinha é de uma lonjura que só ela. Dotô. Meu mijo anda meio istrupiado. Meio nada, inteirin. Só mijo assentado. Se fico im pé moio a tampa da latrina. E minha muié só farta me cumê vivinho. Oia com seus oio. De cadinho in cadinho mijo. Agorinha memo me moiei tudinho. Tem um remedinho pra miorar meu causo? Tá cumplicada minha situação. Nem a benzedeira do lugar deu jeito. Oia o que ocê pode fazer por mim”.
A confissão, não de amor, durou quase uma hora inteira.
Levei Seu Fanho a sala de exame e pedi que ele entrasse naquele quartinho e tirasse metade da sua roupa. Ele o fez meio envergonhado mas fez.
Saiu de ceroula alaranjada e de fraldas molhadas.
Pedi que ele se deitasse na mesa apropriada. Seu Fanho fechou seus olhinhos e suspirou profundamente esperando o pior.
Ao toque percebi uma próstata de grande tamanho e consistência amolecida. Nada me fez suspeitar que fosse de natureza maligna.
Uma vez na minha sala apresentei ao Seu Fanho as minhas conclusões.
“Seu caso, felizmente, não se trata de uma doença mais grave. É uma próstata bem grandona. Não é caso de operação ainda. Tome esses remedinhos que vai melhorar. O senhor deve voltar à consulta dentro de seis meses. Se piorar volte antes”.
Seu Fanho, já mais a vontade, me agradeceu efusivamente dizendo: “dotô. In causo de percisão vorto sim, correno as légua de lunjura. Apreciei muito o sinhô. Seu dedo inxerido não dueu nadica de nadinha. Eu vorto memo qui num fô perciso”.
Eu nem disse a ele não ser preciso me trazer um vaso de flores. Talvez Seu Fanho não saiba e traga um de orquídeas, as minhas preferidas.