Antes pensava que o corpo humano se dividia em cabeça, tronco e membros.
E quando a gente pensava em dividir mais as partes elas se uniam e não permitiam.
Só depois, de muitos anos vividos, descobri outros detalhes do corpo humano.
Por cima temos o órgão pensante. A cabeça protegida por uma calota óssea era a casinha onde se aninhava nosso cérebro. Dentro delas celulazinhas irrequietas com suas sinapses andavam de um lado pro outro sem parança.
O tal órgão protegido pela caixa dura, se por acaso sofresse uma ranhura, a gente iria perder a faculdade de nos movimentarmos. As idéias iriam pelos ares. A capacidade de entendimento não nos permitiria lucubrar tanto.
Unindo a parte de cima a inferior situa-se uma coisa formada de músculos, vasos sanguíneos e uma estrutura óssea chamada coluna cervical. Sem ela não moveríamos a cabeça de um lado ao outro. O tal pescoço é fundamental para olharmos e admirarmos a linda moçoila que passa ao nosso lado. Requebrando as cadeiras. Fazendo-nos pensar em coisas e loisas que já nem nos lembramos mais.
Por debaixo do pescoço, intimamente ligado a ele, o nosso coração palpita. Entre dois pulmões que nos permitem respirar. Juntinhos num espaço chamado mediastino. Uma loja onde não se pode comprar.
Caminhando no sentido inferior se aloja uma cavidade onde nossas tripas tortuosas excretam nossos excrementos. O intestino tanto pode falar grosso ou fino. Ele pode ser um tormento quando não funciona a contento. O abdome acolhe ainda o fígado. Um órgão vizinho chamado pâncreas. Que sofrem quando seu dono bebe demais. Ali pertinho mora o baço. Órgão quase sem função quando a vida passa. E é o primeiro a sair de cena quando se leva uma pancada na parte inferior do corpo. Pobre dele que faz o sangue ser vermelho. Produtor de hemácias, celulazinhas que percorrem nossas veias e artérias carreando oxigênio.
Mais embaixo fica a caixa onde se armazena a urina. Uma estrutura chamada bexiga. Que quando se enche a gente tem de correr ao banheiro para não mijar nas calças. Uma coisa que acaba por importunar a vida da bexiga se da o nome de próstata. Quando ela incha acaba entupindo o trajeto. E temos nós, urologistas, de intervir a tempo. Senão pobre do velho não vai ter tempo de ir mais adiante. E morre antes da hora.
As pernas são órgãos locomotores. E ainda existem aqueles que não fazem uso delas. Caminhe homem. Graças às pernas fiquei de bem comigo.
Toda essa ladainha descritiva serve de introdutório ao que desejo deixar escrito.
Já que eu me divido em duas partes.
Na metade de cima penso ser menino. A de baixo me diz que não sou mais.
Metade de mim sofre por excesso de sensibilidade. A outra sofre por falta de maldade.
Metade do meu corpo me diz que ainda sou médico. Na sala de anatomia aprendi que somos formados de vísceras, músculos e estruturas ósseas que nos dão sustentação. A outra metade não me deixa ter tanto ilusão.
Metade do meu eu pensa muito. A outra me faz descrente de tudo aquilo que tenho visto e não me agrada.
Metade de mim ainda sonha mesmo acordado. A segunda tem pesadelo só de pensar em não acordar tão cedo.
Metade de minha pessoa não tem medo de escuridão. A outra treme só de pensar em ficar na cama até mais tarde já que sou um madrugão.
Metade de mim não mede os passos na boa hora de caminhar. A outra receia não mais poder sequer andar.
Metade de mim não tem medidas para medir. A outra não tem freios na escrita a hora de escrever.
Metade do meu eu não tem idéia do que seja falso ou verdadeiro. Já que sou inteiro nas minhas verdades.
Metade do que sou acaba desconhecendo quem seja eu. A outra nem sabe pra onde iremos ao mais tardar amanhã.
Metade de mim pensa no dia do amanhã. A segunda metade vive no passado pensando no hoje que atravessamos. Sem saber sequer a direção que tomamos.
Bem mais da metade do que sou devo aos meus pais. A outra tem saldo devedor comigo mesmo.
Depois de fatiar a mim mesmo só me resta unir as duas partes. Sou indivisível ao meio. Minhas duas partes nasceram unidas. E nem a morte vai ser capaz de apartá-las.