Sou um pescador de saudades

A pescaria nunca foi meu prato predileto.

A paciência se torna seu maior requisito.

Perder horas e horas a beira de um rio. Que seja um riachinho de águas cristalinas onde lambarizinhos de rabos vermelhos mordiscam a isca famintos que estão.

Ou até memo num lago dizem de águas piscosas comprovadamente não. Trata-se de uma atividade que nunca tive como das minhas preferidas. Aprecio sim ver meus peixinhos aquarianos nadando aqui pertinho de onde estou. A espera impacientes da ração que derramo sempre que aqui chego bem cedo pela manhã.

Nada contra os peixes. Ao revés.

Amo saboreá-los bem fritinhos. Filezinhos de tilápias me fazem salivar. Quando desejo degustar faço uma caminhada até o mercado municipal. A garota que me vende já está acostumada as minhas pechinchadas. Ela já sabe que regateio o preço fazendo um desconto apreciável.

Saudade deve ser aparentada às lembranças. Se não primas amigas bem chegadas.

Ambas se amontoam na gente uma vez em maior idade. Já que na juventude ainda temos pouco tempo para recordações.

Meu baú de lembranças transborda quase derramando seu conteúdo. São tantas recordações. Idas e vindas do passado. Desde quando me entendo por gente. Não tão exigente como me tornei hoje.

A isca que uso para pescar saudades são as lembranças. Da minha infância passada naquela rua que quase não se deixa ver devido à escuridão reinante.

Pesco saudades numa piscina de águas límpidas e cristalinas. Ao fundo dela me vejo nadando naquela piscina.  Garimpo saudades naquela casa hoje em escombros. Foi exatamente lá que passei os melhores anos de minha vida. Ao lado dos meus pais que hoje moram no céu.

A minha varinha de pescar quase se dobra de tanta saudade. Da minha primeira namorada que encontrei no rela do jardim.

Pesco lembranças, entremeadas de saudades, quando me lembro do primeiro beijo que dela afanei. Vi-a ruborizar-se todinha. No segundo a vi chorar. Não sei o por quê. Talvez a razão tenha sido por ter-lhe pisado no pé.

Sou um pescador de saudades por não conseguir me desvencilhar delas. Elas se amontoam a minha entrada e não me recuso a recebê-las.

Lembranças me assediam e nem tento escapar da sua corte.

Seja num lago piscoso. Ou num riacho serelepe. Tento pescar saudades.

De repente as vejo nadando fugidias.

Lembranças e saudades as tenho como aparentadas. Se não são irmãs, amigas por certo serão.

Pesco saudades na lua que de pouco nasce. No sol que nos alumia. No clarume do dia que me encanta. Na escuridão da noite as saudades me consomem.

Vivo em eterna pescaria. Mesmo se o meu anzol não permita fisgar peixes maiores. Não vivo sem me deixar abraçar pelas lembranças entremeadas de saudades.

De tudo sinto saudade. Até daquilo que só existe em meus pensamentos.

No dia quando tiver de deixar de sentir saudades que me alijem de mim.

Ai estarei preparado para não pescar saudades. Já que lá no alto talvez só encontre um lago onde apenas e tão somente se possa pescar a paz que tanto procuro.

 

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