Perdido num imenso cipoal de números

Vocês já se imaginaram perdidos numa selva intrincada. Bem longe de casa. Sem saber pra onde ir nem o caminho de volta?

Sem água nem alimentos. Famintos e sedentos. Na companhia de si mesmos. Depois de horas perdidas na solidão do mato. Tremendo de medo de serem devorados vivos por alguma fera que por acaso aparecesse do nada. E caminhando a esmo tivessem seus pés atados num imenso emaranhado de cipós. Sem saber como desatar os nós. Já que nem um canivetinho havia trazido na algibeira. Desprotegido de tudo, contando apenas com a proteção divina. Rezando contritos para se livrar daquela situação embaraçosa em que se meteu. Perdido no meio do mato. Sem poder sequer livrar os pés daquele cipoal denso.

Foi assim que me senti na semana passada.

Entre a cruz e a espada. Sem saber sequer como me livrar daquele incômodo em que havia me metido. Não por culpa minha e sim pela minha aversão aos números.

Sempre fui um aluno acima da media na tal matéria chamada de português.

Já naqueloutra. Que só de pensar me embaralha as vistas. Tantas desgraças me ensejam os numerais. A aritmética. Não sei se ela assim se chama. Parece que agora ela mudou para matemática. Não a tenho em boas graças. Faço conta nem que a tábua racha.

Somar pra mim é coisa que não sei fazer. Multiplicar então? Tenho verdadeira aversão ais tais contas. Penitencio-me em não saber quanto dá vinte divididos por outros dez. Diminuir me sinto diminuído só de pensar o quanto me inferniza a cabeça por não saber.

Da mesma maneira que as letras me atraem os números me atraiçoam.

Senhas, códigos, e outros aparentados me esqueço e nem faço questão de me lembrar. Anoto números nalgum lugar. Para não me esquecer deles de vez em nunca mais suplico a minha querida esposa que tome conta de minhas contas bancárias. Também, as importâncias ali depositadas são tão exíguas que nem dão para suspirar o final do mês. Meu ganho mal vai à primeira metade.  Tenho verdadeira ojeriza aos tais boletos que se amontoam no tampo da mesa. Quando ainda jovenzinho minha mesada era toda deixada na venda do Seu Manoel. Para pagar a conta dos pirulitos e outras guloseimas docinhas que tanto amava saborear e dividir com meus amiguinhos.

Como estava dizendo, na semana que recém terminou, tive de pagar uma conta num restaurante. Quem diz que o cartão de crédito funcionou, redondamente se equivocou.

Qual seria a tal senha? Quais os números ela dizia?

Não me lembrava naquele infeliz momento. A conta não ficou dependurada, pois foi paga por meu convidado. Que vergonha senti naquela hora ingrata.

No dia seguinte mais um atropelo me fez passar.

Já na caixa registradora de um supermercado mais uma vez meu cartão não funcionou. A tal senha não era aquela. Qual seria ela?

Mais uma vez os números sumiram da minha memória. As tais senhas mudavam e eu continuava o mesmo.

Passei por outra situação vexatória. Por sorte recorri ao tal Pix e ele funcionou. Euzinho quase não funcionava mais.

No dia seguinte tive de ir ao banco. Não ao do jardim onde me assento quase nunca.

Mais uma vez tive de esperar, numa longa fila, para tirar uma nova senha. Ela tinha uma letra e três números. Enfim chegou a minha vez de ser atendido.

Passei quase duas horas inteiras confabulando com o gerente para mudar minhas senhas. Que tragédia grego romana!

Afinal ontem. De volta ao supermercado. Ao tentar pagar a conta mais uma vez meu cartão enguiçou. Deu pala. Em mim também.

Já hoje não me atrevo a me lembrar dos números que deveria passar para abrir o aplicativo da minha conta bancária. Nem de longe me recordo deles.

Confesso-me perdido nesse imenso e intrincado cipoal de números. Como eles me fazem mal.

 

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