Por vezes paro na rua. Mesmo a um desconhecido.
Em tom de galhofa a ele pergunto, apressadamente: “quantos ânus você tem”?
Já ele, meio encabulado, mal me conhecendo, acaba respondendo: “tenho quarenta e três”.
E eu, zombeteiro, alertando-o sobre o erro incorrido, respondo: “ânus você só tem um. Aliás, nessa idade já deve pensar em fazer o exame de próstata. A partir dos quarenta e cinco deve procurar um urologista. Que por acaso sou eu”.
Não confundam anos e ânus. Uma letrinha trocada pode levar a confusão. Cuidado com a pronúncia adequada. Ânus é por onde o urologista introduz o dedo. Anos contam a idade que você tem.
Desfeita a confusão vamos ao que interessa.
Eu hoje conto com setenta e quatro anos. Em dezembro próximo mais um ano será incorporado aos meus janeiros.
Posso dizer que essa idade longeva não me apoquenta. Já vivi o bastante para me preocupar com o tempo que já passou.
Se me perguntarem quantos anos eu tenho não sonego idade.
Meus cabelos brancos atestam minha maior idade. Minhas rugas são um atestado inequívoco de que já estou passando pela velhice. Mas não me preocupo se por ventura um jovenzinho me chamar de tio. A ser chamado assim prefiro a um velho gagá. Ainda estou longe disso.
Longe se foi a mocidade. A meninice então. Distante se vai.
Nessa idade em que me encontro não conto prosa. Nem versos sei fazer.
Os muitos anos não me pesam nos costados. Tenho costas largas e ombros fortes. Minhas pernas então são usadas mais que deveriam. Ando como canelinha de cachorro de rua. Não lato, mas falo apenas o necessário. Prefiro deixar escritas minhas opiniões.
Nesses anos que acumulei não tenho do que me queixar. Foram anos bons. De um passado que me seduz. De um presente que recebo como um presente dádiva dos céus. E de um futuro ainda incerto como incerta é minha vida.
Se me perguntarem quantos anos eu tenho desfaçam essa dúvida lendo meu texto de hoje. Já deixei escrito que não escondo anos. Eles são declarados tanto na minha certidão de nascimento quanto nos ditos que deixei escritos.
Ser de mais idade não me apoquenta. Já passei pela mocidade. Já deixei a infância anos atrás. Ser adulto já se perdeu na linha do tempo.
Hoje não sinto os anos passarem. Eles que esperem outros mais que irão advir.
Tenho a idade que me convém. Se chegar aos cem, ainda bem. Se me ausentar antes não irei clamar, pois morto não poderei protestar.
Nessa idade sou feliz como em criança. Meus brinquedos são outros. Brinco de ser escritor. Se alguém me perguntar minha idade digo: “sou uma criança que pouco cresceu”.
Eu tenho anos longevos. Mas me sinto como há anos atrás.
Faço tudo que fazia dantes. Ainda melhor, pois não tenho o compromisso de me tornar alguém que já sou.
Sou cônscio que já perdi a mocidade. Os anos passaram.
E eu não sou mais menino.
Se me perguntarem quantos anos conto agora conto nos dedos mais de setenta. Mas pra mim eles todos dizem orgulhosos de seu dono: “doutor Paulo. O senhor a mim me parece um menino.”
Espero que pensem o mesmo de mim.
