Jabuticabeiras urbanas parecem estar em extinção.
Pena. Elas não só me remetem ao passado como me fazem lembrar de entes queridos.
Na casa do meu avô Rodartino havia umazinha.
Era em sua sombra acolhedora que nos reuníamos.
E quando as frutas amadureciam fazíamos a festa. E com que vontade devorávamos aquelas guloseimas dependuradas naquele pé de jabuticaba. Não restava umazinha só ao final de dezembro.
Aqui pertinho. Antes de edificarem o prédio que se descortina aos meus olhos. Nessa hora de luzes apagadas. Defronte à janela do meu consultório. Havia creio que duas grandes jabuticabeiras majestosas. E elas resistiram estoicamente a serem derrubadas.
No entanto o edifício venceu a disputa. E elas duas sucumbiram à moto serra se transformando em lenha que não sei qual lhe foi o destino.
A outra, que exista nos fundos da casa onde passei a infância ainda mora na divisa daquele muro de arrimo que edificaram para segurar a construção. Naqueles dois lotes onde meu tio Chico Rodarte e meus pais moraram em tempos idos.
Aquela pequena jabuticabeira esteve sob ameaça de ir ao chão. Mas ela olhou pro machado. Com os olhos rasos d’água. E talvez a ele tenha implorado: “olha seu machado. Tenha piedade de mim. Em meus galhos finos já amadurecerem frutinhas doces como sumo de mel. E garotos subiram por mim. Muitos despencaram ao chão. Fui mudinha trazida pra cá pelo velho Rodartino. Sou filha daquela que foi derrubada quando construíram o prédio Rodartino Rodarte. Agora deixe-me ficar por mais alguns anos. Eu sou tão pequena que não irei fazer sombra a esse prédio agora por ser construído”.
E de fato ela venceu. Ainda mora no mesmo lugar. Daqui ela pode ser vista bem de perto. Aos meus olhos recheados de saudades.
Sempre que passo por ali. A caminho do velho clube onde me exercito e tento encompridar os anos que me restam. Dou uma paradinha defronte ao tapume quando ele se mostra aberto.
Foi um dia desses o acontecido.
Era ainda cedo. De volta da academia. Depois de uma piscinada breve.
Depois de me apresentar ao gentil mestre de obras. Andando cautelosamente sobre a laje. Fui até a pequena jabuticabeira que resistia bravamente a ser ceifada pelo aço de um machado.
Foi quando fui tomado de assalto por velhas recordações.
Minha querida mãe Rute sempre me chamava quando as jabuticabas amadureciam. E eu, já médico feito, me dirigia aos fundos daquela casa, a fim de chupar jabuticabas. Eram frutas docinhas como beijinhos doces de minha mãe quando eu, menino ainda, despencava da bicicletinha ainda de rodinhas na velha Costa Pereira de antão. Mas os tempos se foram, mas não conseguiram apagar lembranças.
Naquela tarde quase morta, em visita a pequena jabuticabeira, que ainda mora nos fundos daquele prédio em construção. Fui tomado de incontida emoção.
Sei que um dia elazinha vai tombar ao fio de um machado. Seus restos mortais se tornarão lenha. E não mais poderei chupar aquelas jabuticabinhas tão doces que adocicaram a minha infância.
Não sei por quanto tempo mais ela vai resistir.
Assim como as jabuticabeiras urbanas foram sacrificadas um dia ela será.
Tomara eu não esteja mais aqui para constatar.