Santo remédio

Uma das vantagens de ficar velho é quando lhe perguntam: “qual a sua idade”?

A resposta segue lentamente: “faz tanto tempo que nem me lembro”.

Passei mais da metade da minha vida profissional entre remédios e prescrições.

As receitas que prescrevia eram quase sempre as mesmas.

Antibióticos quando existia uma infeção. Analgésicos e antiinflamatórios quando a dor não desaparecia. Ansiolíticos quando a questão era ligada ao emocional. Algum fármaco antidepressivo quando o problema afligia o paciente. Mas ele me manifestou o desejo de não procurar o profissional que trata das doenças do sistema nervoso. E eu tinha de escutar atentamente aos seus queixumes. Era o psiquiatra sem formação.

Depois de anos passados. De passar pela maioridade. De acumular anos nos meus costados.

Aprendi que o melhor remédio para ultrapassar tantos anos. É ouvir e não opinar. E não contestar sem antes observar. E não digladiar com quem não tem paciência. E simplesmente ficar indiferente ao que dizem as nossas costas.

O melhor remédio para enfrentar a velhice e não se curvar ao peso dos anos. É andar ereto mesmo que suas costas doam. É pensar que ficar velho é um privilégio. Já que muitos ficaram pelo caminho.

O melhor conselho que posso dar aos que passaram pelos enta é desconhecer qual a data do seu aniversário. Quando isso tiver de acontecer desdenhe. Não assopre velinhas ao lado de sua velhinha. As dentaduras dos dois podem ser jogadas dentro do bolo.

Não palpite na vida dos filhos. Deixe que eles sozinhos aprendam a sair de suas encrencas. Quando lhe pedirem dinheiro diga que não tem. Nessa altura das suas vidas as economias que sobram são suas e de mais ninguém.

O santo remédio para serem felizes. Depois de anos e anos passados. Já que não escutam tão bem. É não procurar escutar melhor. E como é bom não dar ouvidos a prosas que não lhe dizem respeito. Já que os jovens perderam o respeito pelos mais longevos. E não mais dizem “benção avozinho”. E beijam-nos a mão numa atitude que nos enche de satisfação. Depois de tudo que fizemos por eles.

Mais uma receita lhes passo agora. Quando dobrarem a serra o façam de avião. Viagem. Aproveitem a vida. Vão à praia. Não se avexem quando os jovens disserem: “olha as pelancas da vovó”.

Um santo remédio para enfrentar a velhice é deixar as muletas de lado. Mesmo que delas precise. Não se acanhem em dançar. Dancem, rebolem. Mesmo que seus passos claudiquem.

Se precisarem usar fraldões lembrem-se das fraldas que trocaram em seus filhos e netos.  A incontinência urinária nada mais é que um atestado de senilitude. Um dia todos terão de usar tais adereços.

Se um dia ficar idoso deixe a vaidade de lado. Cabelos brancos não devem ser tintos. Uma calva luzidia fica mais linda ainda que uma peruca mal feita.

E, se um dia alcançar a velhice não se sinta ofendido quando o chamarem de velho. Responda singelamente: “velho eu? Olhe-se no espelho. Veja você. A minha idade pode ser o dobro da sua. Mas a experiência que acumulei nos meus muitos anos de vida em nada se equipara a sua. Que mal sabe dizer de onde veio. Qual o seu passado. E o que fez de bom pelos seus filhos e netos”.

Um santo remédio para sobreviver à velhice é não se importar com os anos que tem pela frente. Se vier a se despedir da vida algum dia viva apenas o presente. Mas não desdenhe do passado. Ele foi deveras importante. Sem ele o presente não existiria. E o futuro é mera consequência.

Tenho, pra mim, que um santo remédio para ficar idoso é não guardar mágoas e ressentimentos. Não se constranja em ficar velho. Muitos não tiveram esse privilégio.

E, mais uma recomendação de um idoso não vaidoso. Fique ao lado de pessoas que lhe querem bem. Deixe as outras bem longe. Distante de seus olhos e mais longe ainda do seu coração.

 

 

 

 

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