Por vezes me pergunto: “pra que mais se já tenho de tudo”?
Saúde não me falta. Já passados os setenta quase nada tomo senão para sanar uma gripinha de nada. Disposição não me falta. Ando pelas próprias pernas. Amuleto-me nelas mesmas. Se me viram andando de carro, por favor, não me multem. Trata-se de uma ocasião especial. Deve ser questão de uma viagem ou talvez seja eu um irresponsável. Já que sempre fui um andarilho contumaz.
Inspiração sobra dentro do meu eu. Já tenho editados mais de vinte livros. Textos, então, já perdi a conta de quantos são.
Não mais tenho tanta ambição. Se em cinquenta anos de formado não seria a partir de agora que irei somar mais dinheiro em minha conta bancária. Quase não a consulto. Já que as consultas em minha oficina de trabalho escassearam não me preocupa mais. Se me procuram aqui atendo com mais atenção que dantes. Aprendi a escutar. Ouvir os reclames dos pacientes me fizeram mais paciente. Não tenho a voracidade dos verdes anos em prescrever tantos fármacos. A experiência acumulada em anos na minha especialidade aprendi que se deve tratar o paciente. Evitando assim operações desnecessárias que tão aomente iriam provovar mais sofrimento que a própria enfermidade ainda pouco manifesta.
Dou-me por satisfeito com a vida que tenho levado. Se ela se alongar por mais tantos anos não vou perguntar quantos serão. Simplesmente vivo. Convivo com todo tipo de gente. Quem sou eu para julgar quem presta ou não? Evito julgamentos precipitados.
Pra que mais? Pergunto a mim mesmo. Se agrado ou não simplesmente vou em frente. A vida me ensinou a ser mais comedido. Dou ouvidos à prosa que me interessa. Se não desconverso.
Sigo andando em anos em direção a lugar nenhum. Pra onde irei só compete a mim próprio. Sou dono o meu nariz e não pretendo mudá-lo. Fujo de cirurgias estéticas como o diabo da cruz. Pra que mudar se não tenho a intenção de conquistar mais mulheres do que já tenho?
Quem me ensinou ludo isso foi uma pessoinha na qual sempre me inspirei.
Seu nome de verdade desconheço. Apelidei-o de “Pra que mais”. Esse, me sobra.
A maior e não única qualidade do meu amigo se escreve simplicidade. Nele sobra aos montes.
“Pra que mais” veste todos os dias a mesma roupa surrada. Que não anda sozinha de tanto uso.
Pra ele sempre tá tudo melhor que antes.
Embora viva na quase miséria, morando de favor num cortiço dependurado no morro. Ele morre de rir de sua própria pobreza. Desgraça muita é bobagem. Ele diz sorrindo na sua banguelice desdentada.
Nunca vi o “Pra que mais” de mal com a vida. Triste e acabrunhado com sua pobreza gloriosa.
“Pra que ter dinheiro se a gente não pode levar pro cemitério”?
É uma das suas citações prediletas.
Trabalho nunca foi sua sina. Assina o próprio nome com uns garranchos ininteligíveis.
Mal estudou. Embora fosse filho de pais letrados ele mesmo não pouco entendia de letras.
Mas sabia de cor solfejar lindas canções.
Aliás, o canto era indício da felicidade do meu amigo “Pra que mais”, se não cantava não encantava. Dizia ele. Desprovido de qualquer beleza. Era mais feio que urubu zarolho.
Mas “Pra que mais” fazia sucesso com as mulheres. Até hoje não sei a razão. Dizem, com muita propriedade: quem ama o feio bonito lhe parece.
“Pra que mais” era a personificação exata do tal dito.
É nele que sempre me inspiro, no meu cotidiano pra mais que inspirado.
Pra que mais se a vida já me ofereceu tudo que gostaria? Azar pra mim é sorte.
E assim vou vencendo os anos. Até quando disserem amém.