“Use a idade como ponte para o futuro e jamais uma escada para o passado. Para a ponte em direção ao futuro sempre terás companhia. Mas, ao descer as escadas a cada passada um atropelo. E nem sempre alguém vai lhe ajudar a descer os degraus por mais suaves que sejam”.
E nunca te esqueças. “É bem melhor ir deixando saudades a sair da vida pela porta dos fundos deixando atrás de si ais de alivio”.
Saudade. Palavra de sete letras que muito é falada e pouquíssimas vezes realmente sentida.
Quando alguém diz. Seja num velório velando a morte de alguém: “ que boa pessoa ele era. Ele sim, vai deixar saudades.”
Já eu sempre penso cá comigo- todos que morrem um dia, já que a certeza da morte é mais verdadeira que muitas falácias mentirosas, não se exaltam virtudes ou qualidades de nenhum ser vivente. No entanto, no momento em que ele fecha os olhos pra sempre, inquestionavelmente seus defeitos são esquecidos. E dizem ao derredor daquele corpo sem vida: “esse era um homem santo. A esta hora sualma deve estar subindo aos céus”.
Imediatamente me vem ao pensamento: “engraçado. Faz-me rir. Como alguém avoa ultrapassando as nuvens bem no alto, se nem asas e nem ele tem como viajar num jato rumo a estratosfera. Melhor jogá-lo do alto de uma ribanceira que, com certeza, ele sim vai se espatifar no chão”.
Subir escadas me passa uma sensação de velhice. Não de mocidade ou meninice.
Quando estamos nos primeiros degraus podemos ir mais depressa sem medo de cairmos ao rés do chão.
Ah! Como era bom naqueles verdes anos eu, mocinho ainda, rodava nas rodinhas da minha bicicletinha sem rodinhas sob os olhares vigilantes do meu pai. E, quando me desequilibrava ele nem esbravejava. Simplesmente esporeava suas pernas gastas e ia em meu socorro onde quer que eu fosse.
Já nos degraus seguintes da escalada de minha vida eu ia certo que tudo sairia tal e qual desejaria. Mas, quando minhas muitas expectativas contradiziam aquilo que queria eu fazia birra e nem por isso meu pai me castigava.
Já, uma vez galgando alguns degraus a mais, quando de posse de mim mesmo, emancipado e desvencilhado das rodinhas de minha bike chamada vida, infelizmente meu saudoso pai já não estava em condições de me ajudar a me levantar das quedas que me levavam ao duro chão não feito em grama e sim em cimento duro e bem seco.
Quando me achava pronto a enfrentar as dificuldades que se interpunham entre meus sucessos e fracassos pensava recorrer mais uma vez ao meu pai. Mas ele já não estava mais neste mundo. E sim me olhando do alto. Bem no cume, nos píncaros das nuvens em direção ao firmamento que um dia irei conhecer.
Já prestes a chegar ao derradeiro degrau. Eu escorreguei. Só não caí pois tive uma outra família a zelar por mim. Já idoso, velho não.
E eu lhes peço encarecidamente. Se preciso postado em meus joelhos já claudicantes.
Sem ter sucesso em chegar ao último degrau de meu viver, suplico-lhes aos que leem o que deixei escrito- não me levem a me despedir de todos, esses todos não exclui ninguém.
Não me deixem morrer num leito de hospital onde passei mais da metade de minha vida de médico em tentativas por vezes malogradas de salvar alguém. Ou até mesmo de atenuar dores e retardar a morte.
E, já que meu fim se avizinha, não sei quando, nem desejo saber o dia e hora, deixem-me exalar meu último suspiro num lugar que considero meu paraíso.
À beira da represa da usina do Funil. Na minha casa por mim edificada. Onde mugem vacas e cantam soltos canarinhos amarelinhos e sabiás nas laranjeiras. Ou trinca ferros de qualquer espécime ou cor. Ou até mesmo azulões e pardais vira-latas. E, prometo, no meu leito de morte, não mais irei caçar rolinhas com meu bodoque dependurado num galho mais alto de uma jabuticabeira.
Ainda estou subindo as escadas. Um a um degrau. Até chegar ao final. De onde avistarei meu passado. Já que meu futuro já está escrito. Nas estrelas. Espero eu…