E o menino que morava dentro de mim amava, depois de uma chuvinha mansa, meados de dezembro até o final do mês, entrando janeiro adentro. A alegria se estendia até gente que morava na roça. Pois quando os anos ameaçavam fechar os olhos era tempo de plantio.
E a terra previamente sulcada pelos dentes de ferro de arados. Puxados por tratores já deixavam seus rastros superficiais ou em profundidade ideal para naquela terra previamente fertilizada por esterco de curral ou algum adubo qualquer, já estava prontinha de antemão para receber as sementes de milho e qualquer grão que fosse.
E como era de excelente sabor sairmos. mesmo debaixo de chuva. para na terra espalhar sementinhas quase invisíveis tendo cuidado para semi enterrá-las superficialmente na mãe terra evitando que passarozinhos famintos a elazinhas tomassem pelos bicos e ingeri-las uma a umazinha até não sobrar nenhuma a nascerem fortes expondo aqueles sinais indeléveis de futuros pés de milho ou aparentados. E depois de as sementes eclodirem do ventre da terra com as suas mãozinhas erguidas rumo aos céus. Torcíamos para de novo uma chuvinha mansa despencar cadinho a cadinho. Para que não faltasse água para as novas plantinhas crescerem até, uma vez crescidinhas, darem de comer a nós, humanos, e os pés de milho, uma vez feitos espigas embonecadas , servirem de silagem aos animais de quatro patas que ruminam e produzem aquele alimento rico em nutrientes, de nome leite.
Ainda me lembro, que saudade da minha meninice peralta, quando acordava cedinho ao cacarejar das galinhas, ia todo vaidoso ao curral de um tio irmão de meu saudoso pai, tio Zito, a fim de espremer as tetas de uma vaca de tetas macias. E, numa caneca cujo fundo era recheado de açúcar enchia a tal caneca de um leite quente e espumoso, e tomava tudo aquilo que enfeitava meu bigodinho ainda por se cobrir de pelos tinto em branco da cor do leite. E da sala de ordenha saía com um cheirinho misturado a urina de vaca e estrume de curral seco a servir de adubo as plantinhas cujo futuro era o mesmo citado dantes ao começo do primeiro parágrafo deste texto de hoje cedo.
E, na mesma infância, doces anos, passados na tranquilidade daquela rua que daqui se deixa ver, de nome Costa Pereira. Umazinha que descia deixando doutra travessa mais no alto, agora chamada de avenida Doutora Dâmina. Nome pomposo pra mim era a rua do Cascalho. Pois ainda não tinha o negrume do asfalto a lhe servir de calçamento. Era apenas e tão somente uma rua de pouco movimento. Onde moravam uns garotinhos com as peles cobertas por excesso de melanina. Já outros ditos pretinhos como as mesmas frutinhas de uma doçura sem par. Como bem me lembro do Dida, meu pajem até eu bem crescido. Do Liço pinguço, irmão mais velho da Lelé e da simpática Luzia que inda em tempos passados ia caminhando lentamente até o posto onde dava minhas consultas no postinho de saúde chamado de Chacrinha. Dos irmãos do Dida, o Ademir e não me recordo do nome dos demais irmãos, todos pedreiros de colher inteira. Da velha Tereza Doce cujo filho o Zé Guida era meio esquisitão. Não participava de nossas brincadeiras naquele clube das vizinhanças até no presente momento tem o mesmo nome Ltc. De tantos amigos que encheram a minha infância de alegria e amizade genuína. Muitos deles sempre solícitos e solidários eram pegadores daquelas bolinhas antes brancas em nossas disputadas partidas de tênis entre meu pai Paulo Abreu, de um lado quadra cujo piso é de terra batida lindamente escovado e molhado pelo mesmo Quincas. E do lado contrário o professor Louzada velho campeão de tênis, tendo ao seu lado a exímia jogadora que usava um saiotinho branco bem na medida exata para mostrar a morenice de suas pernas grossas e musculosas sem serem de fato exageradas na musculatura hoje exibida pelas jovens tenistas. E tantos outros tenistas muitos ainda vivos e praticantes desse esporte meu predileto.
Não gostaria jamais deixar de fora desse meu escrito de agora cedo outros negrinhos meus amiguinhos de outras épocas líricas.
E eles não se sentiam denegridos em suas imagens muito menos ofendidos por serem chamados pelas cores. Já que pra mim ser de cor distinta de nossa pele branca, em absoluto não fazia delezinhos nem menores ou que fossem taxados de seres inferiores.
Já em nossos tempos críticos chamar a alguém ou algures de negro ou preto tornou-se motivo de crimes inafiançáveis e de extrema gravidade passiveis de punição ou sentenciados a amargar cadeia ou sermos sujeitos a desembolsarmos quantias vultosas se porventura somos taxados de racistas ou termos símiles.
Dantes, não no quartel de um tal Abrantes, o qual desconheço. Como conheci e ainda sou amigo do Dida pedreiro aposentado de sua colher. Do velho Ademir seu irmão mais longevo Do amigo Liço que por certo fica nalgum botequim no céu tomando todas. Dos filhos da Dona Ester que morava nos meus idos anos numa casa em desnível com a rua. Onde agora foi edificado um prédio quase defronte ao Edificio cujo nome assina Rodartino Rodarte -meu avô por parte dos Rodartes.
Pena é o sentimento que agora me enche o peito de tristeza. Quando, nos dias em que vivemos, se chamamos alguém de preto, pretinho, negro por excesso de melanina em sua cútis, ou até mesmo, quando algum torcedor que seja da máfia azul, ou dos gaviões da fiel, num lado da arquibancada lotada de torcedores exaltados fazem gestos semelhantes a símios chamando de macacos a um jogador de pele escura.
Ah! Que bom era viver há anos bem vividos, quando um amiguinho pretinho, de dentes alvos como algodão sem corantes. A gente bulia com ele gritando, numa partida de futebol: “vai, com a bola nos pés, descalços, até a baliza adversária, e chuta no gol do time oponente. E estufa as redes com um chute certeiro e faz gol “seu macaquinho mais preto que uma jabuticaba madura”.
E nem por isso éramos taxados de racistas ou coisa ainda pior.
Ainda me chuta dentro do peito aquelas ditas nos tempos de agora como injúrias raciais. Preto, negro, cafuzo, a mim me causa não apenas confusão. E sim um enorme constrangimento. Muitas vezes pior do que acontece em nossos tempos de agora. Quando se levam a cadeia pessoas que, num momento de exaltação febril, falam pelas bochechas: “negro safado! Vai comer banana com sua parentada preta como tição de fogo apagado”.