Pra muitos envelhecer torna-se uma das prerrogativas mais naturais do que apenas ver os cabelos embranquecerem. Sulcos a princípio rasos desenharem-se pelas faces. O verdume dos olhos mudar de um verde vivo a um verde esmaecido. Aquele olhar vivo admirar-se em direção ao espelho e evitar confabular com ele perguntando-lhe as razões de ter mudado tanto as suas feições ainda jovens. E até mesmo perceber, quando ainda não lhe falte o tirocínio, que ser velho nada mais é que lembrar-se de fatos pretéritos por vezes olvidando-se de coisas acontecidas no hoje ainda cedo e no ontem que agora se considera um passado perto.
A ser chamado velho me sinto um quezinho triste e amargurado. Melhor, ao subir pelo elevador, como um dia aconteceu, ao lado de uma mocinha linda, na flor ainda em botão de sua idade. Confesso ter ficado um tanto avexado ao ver uma pessoinha que mal chegara aos quinze, olhar em minha direção vendo-a encabulada, talvez pelo motivo de nossa diferença de idade, dizer. Primeiro admirando sua formosura na face espelhada do fundo do ascensor: “ocezinho. Espelho que me olha com sua superfície que reflete tudo aquilo depositado em ti, ao entrar em sua casinha que sobe e desce. Já por ventura pousou seus olhos, se é que tens um, nalguma mocinha mais bela do que eu”?
Nesse átimo de segundos mantive-me mudo como uma porta velha e calada. E não fiz qualquer comentário sobre a conversa entre eles dois.
Ao chegarmos cada um ao seu andar, meu era o sétimo e elazinha infelizmente desceu dois antes do meu. Mal tive tempo de dizer a ela que eu também jamais vi uma mulher moça tão bela como elazinha. Mas acabei não descobrindo qual seria a opinião do tal espelho ao fundo do ascensor. Já que espelhos não falam não por serem mudos e sim por serem discretos e se parte deles alguma opinião podem perder o emprego e serem substituídos por outrem de preço mais convidativo ao pago na loja onde espelhos são vendidos.
Ah! Já ia me esquecendo sobre a conversa entre a filhinha linda com sua mãezinha. Prosa esta que acabei participando no mesmo elevador que num dia qualquer escutei a princípio calado sem ao menos emitir minha opinião de idoso ou sênior.
Era por volta da hora bem antes de retornar ao meu apartamento. Se por um acaso do descaso faltei com a hora exata foi não intencionalmente e sim por estar em falta com meu relógio que sempre trago dependurado ao meu pulso esquerdo pois ele tenta passar a noite de ponteiros marcadores de horas e minutos plugado à tomada a fim de carregar seu mecanismo de apple watch inteligente. Bem mais do que eu, seu dono. Pois ele foi comprado por quinhentos euros numa loja da cidade do Porto uma vezinha apenas em que lá estive em companhia de minha dona.
E a tal garotinha continuava sua longa inquisição a sua amada mãezinha. Já demonstrando inequívocos sinais de fadiga já que havia levado a sua levada quase mocinha a um parque de diversão.
“Mãe? Por que vejo nos olhos da senhora. Ao derredor deles dois, olhos encovados e meio roxos, olheiras profundas e sinais de cansaço se euzinha mal me canso?”
E minha envelhecida mãe. Não me leve a mal. “Por que motivo, e qual a razão, de ver em seu semblante de velha. Tantas e tamanhas rugas se a senhora mal completou seus sessenta anos”?
E mais uma questão querida mãezinha: “ e quando a senhora partir, por ventura serei eu que a levarei ao campo santo sozinha já que sou sua única filha e outros aparentados não a visitam e eu não os quero aqui em seu velório”.
“Minha amada mãe. A senhora ainda pode me conceder mais essa graça? Sei que fui uma filha, nascida de seu ventre que não fui aquela menina que tanto a senhora idealizava. Fui omissa em todos os sentidos. Não fui boa aluna nem me tornei doutora em qualquer de suas incontáveis manifestações. Mas, como a amo acima de mim mesma. Já que sou o único fruto despregado de seu ventre frutuoso. Já que a vejo envelhecida e carcomida pela idade. Por favor eu a ti imploro. Me acolha em sua morada. Não me sinto bem vivendo pelas ruas como a minha prima Rakel. Quero sim viajar não de carona sendo sujeita a ser estuprada como já aconteceu quando na boleia de um caminhoneiro que me prometeu levar ao norte do país e, numa estrada erma parou a carreta e me forçou a ter relações com ele. E como doeu fundo em mim ser violada contra a minha vontade. Minha querida mãezinha. Gostaria de voltar a morar com a senhora antes que seja tarde. Antes que seja levada a ser enterrada numa cova rasa sem documentos que apontem quem fui eu. Sua amada filhota perdida pelas ruas. Amargurada sem saber o que me espera na manhã seguinte quando meus olhos se abrirem embaçados tomados pelo crack ou uma droga mais nociva ainda que por ventura me leve a derradeira morada neste mundo imundo onde tenho passado minha meninice e juventude levando essa droga de vida bandida se é que isso pode se chamar vida”.
A partir daquele dia da nossa viagem em conjunto, eu num banco a frente delas e as duas numa assento mais atrás.
As duas deixaram o ônibus numa cidade fronteiriça a minha Lavras. E mãe e filha numa parada desembarcaram abraçadas numa estação perto.
Até na presente data. Vinte e dois de maio. Desconheço-lhes o paradeiro e seus destinos.