Ontem foi um sábado sabidamente gratificante.
Como de costume fui ter à roça, antes em mãos de quem não entendia de vacas baldeiras, de cavalos e suas fêmeas, mal tinha noção de onde sai o gabiruzinho, quando a vaca dá cio o boi percebe ao cheirar-lhe o traseiro (sabedoria que a gente, seres humanos, imperfeitos, desconhece, e montamos a fêmea sem que ela esteja preparada a fecundação, interesse exclusivo por sexo, sem amor, vira monta de touro inteiro em vaca despreparada à concepção); por que galinha assim que bota o ovo faz um estardalhaço danado, quando lontra faminta come o rabo do dourado assim que o lindo peixe fica entalhado na rede deixada ali mesmo, sem muito pudor, por um pescador que não respeita a piracema, e tantas e tantas coisas lindas que só a natureza tenta nos ensinar e a gente não aprende. Seres tidos racionais, no entanto, entretanto, somos o revés do que pensamos.
Estava, no dia de ontem, ávido por estrear um bote inflável, comprado via internet, que, de começo veio sem o motor, movido não à gasolina, e sim à bateria, foi complicado compreender todos os detalhes da embarcação ecologicamente correta, que não polui, é silenciosa, anda devagar, e vai longe. Nem tanto. O suficiente para me levar mais perto do que a vista alcança. Da mesma distância daquela serra altiva, que da minha janela se deixa admirar.
O curto passeio na minha lancha, usada pelos bombeiros no salvamento de afogados durou menos que a postura da galinha caipira. Fomos juntos, eu e um cara de nome Paulo, alcunhado em Ijaci, onde mora parte dele, a outra na minha roça, de “O Cara”.
Ele é o pai da Dafany Siqueira, linda estudante de medicina que já mereceu crônica minha.
Em menos de dez minutos, se tanto, aportamos noutro pedaço de terra, quase uma ilha de gente boa, onde, num passado perto, morava o querido amigo Tião do Cervo, por quem tinha um imenso carinho, o mesmo que nutro por toda a sua família, parte dela vive ali, num adorável rancho beira lago da represa do Funil.
Foi uma visita fugaz como a chuva que caiu horas depois. Uma chuva de verão, talvez uma das últimas que se debruçam por sobre a terra, para bem nutrir as goiabas, por isso chamam-na de enchente das goiabas.
De volta ao meu pedaço de chão, ali está em fase adiantada de construção minha casa nova, já que a outra, apelidada de “casa amarelazul”, cenário de Madest, mora com a esposa amada quem arrendou minha fazendola de onde saem tantas histórias minhas.
A nova casa, de dois andares, motivo de orgulho para os patos e gansos que nadam perto, tomara eles não me peçam para alugar algum dos quartos. Ali na casa existem quatro, na parte de cima, um deles vai ser a minha biblioteca, um dia vai estar lotada de livros meus, o que sobrarem da fama que um dia angariarei, tomara. No primeiro pavimento vai ser uma cozinha gourmet, mais um cômodo de banhos, para os eventuais visitantes, e, finalmente, para não cansar a vocês com tanto lero- lero, uma garagem onde o bote inflável vai morar, quando na água não estiver.
Assim que desinflamos o bote macio, desatarraxamos o motor, guardamos a bateria na minha pratinha valente (nome que dou a minha caminhonete estrada cabine estendida), fui caminhar devagarinho, seguindo as mudinhas de eucaliptos recém inseridas à terra boa do meu palmo de chão de cultura pura.
Fui contando, um a um, observando-lhes a saúde. Qual eucaliptinho foi comido pelas formigas, qual pezinho teria de ser replantado. Foram bem poucos, felizmente.
Andei por uns bons dez quilômetros, dando a volta completa pelos limites da minha roça, não deixando despercebido nenhum detalhe no entorno.
No meu i-phone último tipo ainda jazem, na pasta das fotografias, as fotos não apenas dos pezinhos de eucaliptos, assim como de muitas vacas, uma porquinha gorda, quase pronta ao abate, da égua Cigana e o cavalinho, se macho ou fêmea só o futuro vai dizer, o seu potrinho, agora eunuco, do mesmo nome do meu querido neto Theo, e de vários bichos que ali moram, felizes da vida por não precisarem ir à cidade perto, comprar mantimentos ou outra iguaria que não se planta na roça.
Quando me preparava para saborear dois almoços, o primeiro filado na casa da Dona Lúcia e do esposo Roberto, o segundo na casa mais abaixo, onde moram Dona Bela e o marido Élcio, onde pousa o Cara, meu companheiro de bote, ainda caminhando perto dos eucaliptinhos jovens, não era o meu caso, notei algo estranho em meu corpo sênior.
Nos meus braços, que não têm a força das pernas, admirei coisiquinhas verdinhas, em muito parecidas a folhas de eucaliptos. Meu pescoço curto espichava. Minhas pernas andejas endureciam ainda mais. Da minha calva luzidias despontavam galhos finos. Da minha face branca brotavam fiozinhos de barba tal e quais folhas de eucaliptos. Os meus pés, sofredores, por correrem tanto, se viram presas de raízes rasas. Todo meu corpo foi crescendo, ficando estático, fui perdendo a voz e o cheiro nauseabundo de suor, para dele exalar o odor de folhas de eucalipto.
Ao fim da estradinha curta, que leva de volta à cidade, não mais consegui dar nenhum passo.
Na porteira fiquei deveras enraizado. Não mais pude andar ou correr. Teria eucaliptado? Me tornado uma árvore de eucalipto sênior?
Foi quando acordei na cidade. Tomei uma ducha fria, lavei o rosto cansado.
Em verdade, teria sido apenas um sonho meu? Ou tudo aquilo não foi mais um devaneio pueril?
Agora, domingo, depois de uma corrida longa, que me fez acordar de vez, no meio da minha crônica, dessa manhã fresca, antes que ela termine, olho em direção aos meus dedos digitadores, e vejo, de repente, nascerem folhas de eucalipto neles todos.
Se vou eucaliptar-me de vez, não sei. No fim da vida, talvez…