Como tem feito calor nesse começo de ano. Chove e de nada adianta. O calor volta reforçado.
Hoje mesmo acordou um dia acinzentado. Tomara que se faça justiça ao tal dito: “cerração baixa o sol racha no decorrer do dia.”
Dado ao calorão que tem feito não tenho convivido bem com meu leito. Já durmo pouco. Que seja no frio ou no verão escaldante. Via de sempre a cama me enxota antes das cinco. De lá me levanto. Via de regra nu em pelo. Tomo um banho morno para enxotar o resto do sono. Escovo os dentes. Penteio o que me resta de cabelo. Evito olhar no espelho. Alcagueta linguarudo. Que sempre me diz e eu não contradigo: “olha meu amigo. Curta bem os anos que lhe restam. Deixe em paz o trabalho para quem precisa. Você já trabalhou mais que o necessário. Aproveite a cama mais um cadinho. Pra que levantar tão cedinho? E ficar zanzando por ai escrevendo tanto? Já deveria ter se aposentado há muitos anos. Já tem idade suficiente para se jubilar por completo”.
Eu nem respondo ao espelho. Como deveria responder. Emudeço defronte aquela superfície espelhada. Mas guardo pra mim o que meu saudoso pai sempre dizia: “não se aposente nunca meu filho. O ócio é o começo do fim.”
A minha convivência com a vida tem sido muito boa. Embora alguns momentos não sejam perfeitos, mas beiram a perfeição. A saúde a tenho a emprestar aos outros. A inspiração não me tem abandonado. As pernas me têm acompanhado em longas caminhadas. Graças a elas estou de bem comigo.
Convivo harmoniosamente tanto com o sol ou com a chuva. Não reclamo se o tempo me traz contratempos. Pra mim tanto faz como se desfez se falam mal de mim ou me encomiam pela frente.
Mas não me dou bem com aqueles falastrões que se dizem sabichões. Que dizem saber de tudo se mal sabem uma ninharia do nada.
Da mesma maneira convivo agradavelmente com aqueles que reconhecem o prazer de uma boa leitura. Que prezam a literatura e lêem compulsivamente.
Mas não tenho em bom convívio com aqueles que vivem a se queixar da vida. Eles todos devem olhar pro céu e agradecer de mãos pro alto. Todas as graças que alcançaram.
Convivo muito bem com as pessoas respeitosas. Mas me desagradam aquelas que mal sabem elogiar os idosos por tudo aquilo que fizeram na juventude.
Já aquele meu amigo, de tantos verões passados. Cujo nome não declino. Simplesmente cito o exemplo de estoicismo e valentia frente a vida.
Ele, de tempos idos, tem sido vítima de pertinaz enfermidade.
Uma doença maligna tem lhe devorado a carne. Ultimamente ele se deixa ver numa magreza que lhe permite ver-lhe a alma.
Mas ele não se queixa. Enfrenta as adversidades com o sorriso no rosto. Não se apoquenta quando lhe dizem: “você esta doente? Precisa se tratar”.
Meu amigo enfermo não é tão velho assim. A mim me aparece que ele tem apenas metade da sua idade. Mas já dobrou a serra e começa a descer os degraus da vida.
Quem nele passarinha os olhos assusta com sua figura magérrima. Só pele e osso, nada mais.
Mas ele sempre anda. Ereto embora sua coluna sofra. Não se curva as intempéries. Faz longas caminhadas pelas estradas. Sempre mantendo o bom humor.
Um dia nos encontramos. Era uma tarde de verão. O calor incendiava a terra. Mas ele nem de longe deixava perceber qualquer sofrimento. Simplesmente ia em frente. Sem olhar pra trás.
Parei um instante para com ele prosear. Assentamo-nos à sombra de uma sibipuruna. Ofereci-lhe um cadinho de água, mas elezinho recusou o oferecimento.
“E aí? Como tem passado? E a saúde? Vai melhorando”?
Bem sabia da gravidade do seu caso. Simplesmente, por não ter o que falar. Não toquei no assunto enfermidade.
E ele continuava a sorrir. Um sorriso ao mesmo tempo triste e com indícios de alegria em seus olhos. Foi quando meu amigo me disse sem dissimular qualquer sofrimento.
“A minha convivência não tem sido nada amistosa com minha enfermidade. Sei que ela me tem consumido. Mas não me curvo a ela. Luto, busco novidades no tratamento. Faço novos exames. Penso buscar recursos em outros países já que aqui não os encontro. Bem sei que minha doença vai progredir. Ela hoje já se esparramou pelo corpo inteiro. Já não se pode operar dada à gravidade em que ela se encontra. Mas pra Deus nada se torna impossível. Já que minha convivência com Ele tem sido muito boa quem sabe ele vai me oferecer a cura?”
Nessa vida convivemos com tantas coisas. Algumas boas. Outras nem tanto.
Cabe a gente escolher como as iremos enfrentar.
Que seja com a mesma coragem do meu amigo, que enfrenta tudo sem se deixar dobrar.