O finado compadre Arlindo

O dia de finados se foi no dia de ontem. Deixando saudades daqueles que se foram.

Que chuva boa derriçava nesse começo de novembro. Até parecia que do alto derramavam lágrimas em forma de gotas de chuva em honra e glória daqueles que partiram.

Como de costume fui ao campo santo. Chovia moderadamente. Nada que impedisse minha visita aos meus pais e a outros aparentados. Levamos algumas flores que foram depositadas no tampo de alguns túmulos. Fiz uma breve oração.  Agradeci aos meus pais o exemplo que eles me deixaram. Pedi ao pai do céu que os guarde até a minha chegada. Na minha saída a chuva continuava, mansinha como a minha mãezinha a hora de me repreender por algum ato falho.

Deixei o campo santo naquele dois de novembro à mercê de saudades tantas. Lembrando-me de como era bom viver ao lado dos meus pais.

E pensando neles aqui estou. Nesse começo de novembro. Que dizem ser da cor azul. Não sei por que razão se o céu se tinge de cinza. E por ser nublado mal se permite ver a azulice de outros dias.

Azul deve ser por uma razão singela e bem obscura. Eis que chegamos a uma idade em que não se deve descuidar de nossa saúde.  Já que tenho a saúde como um bem por demais precioso. E quando a perdemos em definitivo fica difícil recuperá-la. E a vida perde o sentido quando a saúde nos deixa. Pra que viver mais se ficamos de olhos abertos sem podermos expressar o carinho que sentimos por nossos semelhantes. Sem ao menos dizer o quanto amamos a nossa amada. E nossas pernas fraquejam. A clarividência nos deixa e nosso olhar nada encontra senão o vazio do nada.

Antes de explicitar a importância do tal exame. Que deve ser feito a partir dos quarenta e cinco. Mesmo que nada sentimos a hora de urinar. E se temos história familiar de câncer de próstata deve-se antecipar mais ainda. Digo e repito que a tal glandulazinha marota perde a serventia na idade provecta. Ela não tem mais função a não ser atrapalhar. Quando cresce, diz-se hipertrofia. Acaba por entupir o canal por onde deveria escoar a urina. E causa alguns transtornos ao cidadão maduro. Dai a necessidade de se deixar examinar. Mas o tal exame pode causar algum incômodo. Já que a próstata se deixa tocar exatamente num lugar fim do caminho por onde saem as fezes em direção ao vaso sanitário. E muitos varões dizem que aquele lugar é de saída e não de entrada.

O toque é feito rapidinho. E não provoca dor e nem desperta amor. E nem carece de levar flores ao examinador. Novembro enseja exame de próstata. Que deve ser acompanhado de um exame de sangue de nome PSA.

Meu compadre Arlindo. Que nesse dia de finados se foi. Descuidado de sua saúde. Vangloriava-se de ter uma saúde de ferro. Mas mesmo ferro de boa qualidade um dia pode enferrujar.

Um dia, meses se foram, mais de um ano passou. Compadre Arlindo aqui me procurou.

Veio aperreado com dificuldade de verter urina. “Mijo de pinguinho em jatinho miudinho. E como dói a hora de urinar”.

Levei meu amigo Arlindo a sala de exames.

O toque foi feito sem retoques. Meu dedo investigador foi as profundezas e, ao tocar a próstata se inquietou. Ela mais parecia uma pedra dura e nodulosa. De consistência nada macia como deveria.

Foi pedido uma biópsia para esclarecer o diagnóstico já evidente ao toque. O qual revelou o que já previra- um câncer invasivo ja extrapolando os limites da glândula. Com metástases à distância. Sem nenhuma chance de ser curado por uma cirurgia radical.

Arlindo se despediu prometendo voltar e não retornou a consulta.

Soube noticias dele tempos depois.

Arlindo morreu justamente num dia de finados. O finado Arlindo morreu por um descuido com a saúde.

Nunca seria demais lembrar a vocês que novembro é azul. Não apenas a cor do céu que hoje está meio acinzentado.  Mas não apenas nesse novembro a próstata deve ser examinada. Quando se passa de certa idade.

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