Nada mais me resta, a não ser saudades

Finados se avizinha. Dia de prantear os mortos e nos lembrarmos daqueles que já partiram.

Ir ao campo santo faz parte da minha rotina nesse dois de novembro. Ali visito o túmulo dos meus pais. Deposito algumas flores sobre o tampo de mármore cinzento. Faço uma breve oração. Relembro os dias felizes que passamos juntos. Doces recordações que ainda fazem parte das minhas melhores lembranças.

A vida é feita de dias felizes e outros nem tanto. Aqueles passados naquela rua pode onde passo ao cair das tardes foram talvez os melhores. Dos meus cinco anos, até a maioridade. Brincando de jogar finca e bolinhas de gude. Fazendo travessuras e quebrando vidraças com estilingadas certeiras. Fazia de conta que não era eu. E euzinho ficava escondido até que a poeira assentasse. Mas ao chegar a casa não me livrava do castigo. Assentado a um banquinho de três pernas, que de vez em sempre me fazia ver a cor do chão.

Saudades me cavoucam por dentro. Novembro me lembra finados. Da morte dos meus pais não me esqueço. E como era bom viver ao lado deles.

Enfim envelhecemos. Uma consequência natural de viver muitos anos. Têm pessoas que não vão tão longe. Param no meio do caminho. Despedem-se da vida rumo a outra vida. Um dia estaremos lá. Ainda bem que não sabemos quando.

Viver tanto tempo. Ultrapassando a mocidade, entrando vida adulta afora. Uma hora a velhice nos avisa que é chegada a hora de nos aposentarmos.  Já fizemos muito. Trabalhamos sem parar. Ganhamos o bastante para viver confortavelmente. Pena que tudo que fizemos foi esquecido. Somos substituídos por gente mais nova que dizem ser mais capacitadas. Mas se esquecem de que fomos nós que os ensinamos. E a experiência acumulado ano a ano foi de vital importância aos mais jovens.

O nosso dia um dia chega. Não iremos viver eternamente. Que seja num dia distante ou bem pertinho. Iremos ver o capim pela raiz.

Meu amigo Chico. Bento lhe conhecem desde jovenzinho. Foi casado com dona Chica. Uma senhora prendada de sorriso iluminado.

Eles viveram juntinhos por mais de sessenta aninhos. Celebraram bodas de não sei de quantos diamantes ou pedrinhas sem nenhum valor.

Mês passado dona Chica partiu. Foi o dia mais triste do seu amado Chico Bento.

Naquele dia ele se debruçou no tampo do caixão e foi difícil convencê-lo de que ele não podia ser enterrado junto.

Dias funestos Seu Chico passou. Uma tristeza imensa abocanhou-lhe o âmago. Quem o visse agora não lhe daria mais de um mês de vida. “Pra que viver mais? Se não mais tenho a minha amada Chica ao meu lado?” Lamuriava-se ele.

Seu Chico Bento perdeu o bem mais precioso que possuía. Aquela que mais amava perdeu a vida.

Foi num dia de finados que o encontrei. Estava no campo santo em visita ao túmulo dos meus pais.

Era já tarde, a noite mostrando a escuridão. O cemitério já estava quase fechando o portão.

Éramos os últimos visitadores.

Seu Chico orava no túmulo de sua amada dona Chica. Segundo seu desejo ele gostaria de ficar ali juntinho delazinha.

A noite nos intimou a deixar o campo santo. Um coveiro amável nos disse ser a hora de encerrar a visitação.

Acompanhei Seu Chico Bento até a rua. Fomos caminhando a passos lentos até sua casa.

Deixei-o entregue a sua dor. Foi quando dele ouvi estas palavras que ainda ecoam em meus pensamentos.

“Agora nada mais me resta a não ser saudades”.

Dois dias depois soube que o velho Chico se despediu da vida. Ali pertinho do túmulo de sua amada Chica.

Deixe uma resposta