Quisera ter rodas

Já disse e não me canso de dizer de novo: “às rodas prefiro as pernas”.

Um dia, quando ainda morava num condomínio mais ao sul de nossa cidade, ao chegar em casa por volta de quase meio do dia, um garotinho, muito simpático e sempre alegre, que andava de bicicleta à porta de sua avó, ao me ver sempre caminhando ele dizia demonstrando incredulidade: “ você não tem carro não”?

Deveras. Embora à porta de minha morada uma caminhonetinha por mim chamada de Pratinha Valente ali mofasse de tanto ficar estagnada à espera de o próximo sábado chegar. Para me levar e mais ração a dar as vacas. E coisas e loisas que na minha rocinha carecia de ali chegar. Embora quando não tinha nada pesado. Fora meu corpo não tanto. Eu ia usando as mesmas pernas andarilhas. Num trote macio e cadenciado.  Numa corrida de mais ou menos cinquenta  quilômetros ida e volta. E, se fosse contar as voltas que o mundo dá já teria dado a volta ao mundo inteiro. Nesse enlace incluía a Austrália, passando caminhando pelo continente africano. Indo devagar quase parando até o Japão. Pra ver se lá já estava prontinho meu café com pão e até retornar Europa adentro, sem deixar de ver as touradas de Madrid onde passei um ano inteiro até chegar ao meu destino final que todos sabem que é aqui.

Da mesma maneira que não tinha o costume de usar rodas. Já que minhas pernas são mais prestativas que o motor de carros. Que consomem combustível que tanto polui e fica nada barato a sua manutenção.

Eu, se tivesse o poderio de um exército poderoso como o norte americano não iria enfrentar o opositor que nos tempos hodiernos invadiu um país vizinho. E esta guerra fratricida continua a nos macular não somente a nossa retina como também o bom discernimento entre  certo e o errado.

Mas, se tivesse rodas ao revés de pernas iria com elas de mansinho. Embora cadeiras de rodas me intimidem espero que delas não precise numa estada desgraçada de minha vida. Pois ainda bem que tenho fortes e rijas minhas amadas duas pernas. E delas não abro mãos muito menos pernas. Pois se abri-las indevidamente pode alguém interpretar que esse doutor escreve de pé e não assentado. Pois ficar em pé pra mim me satisfaz mil vezes mais que comer assentado.

Se porventura de uma desventura uma das pernas me faltasse logo iria a um protético suplicar por uma prótese que fosse nova ou por empréstimo de alguém que por acaso dessa perna de pau ou feita de um material qualquer, dela não mais precisasse pois já teria de novo recuperado os movimentos. Pois ir e vir pra mim é essencial ao bom viver.

Querer ter rodas implica em possuir carrões e tais e quais bens móveis para desfilar pela pracinha nos domingos domingueiros. A fim de fazer bonito às mocinhas antes faceiras e agora desvestidas de pudor tidas não mais casadoiras. Pois, nestes dias em que estamos atravessando, a passos lépidos, nessa azáfama corriqueira, casamento não mais ecoa como uma forma de se dar bem entre as mulheres. Pois elas passaram a entender que são donas de  seus narizes e com eles cheiram outros caminhos bem melhores que antigamente enveredavam-se.

Deem-me rodas ao invés de pernas fortes!

Esse brado já foi ouvido nos tempos da Roma antiga entre gladiadores. As tais bigas se digladiavam nas arenas. E, se o público presente, quando o combate entre feras leoninas e soldados a mando de Césares terminava com um vencido e o outro vencedor. A plateia ensandecida estendia o dedo indicador. Se para cima ou ao revés, esse sinal indicava fatalmente a morte ou a vida. E cabeças rolavam ainda sangrantes pela areia maculada pelo sangue derramado de corpos sem vida. Daqueles pobres coitados soberbamente ignorados pelos nobres que saquearam terra e além mar. Selando o destino do Império Romano.

Um dia talvez tenha de mudar de opinião. Nesse dia, espero ser mais longe que minha vista alcançar. Terei de usar rodas ao invés de pernas terminadas pelos pés.

Mas, se esse tempo cruel tiver de enfrentar, que seja de cabeça e pernas erguidas. Pois não irei deixar a amargura desse infeliz momento me tomar pela dor. Já que penso ser a dor inevitável mas o sofrer opcional.

Jamais desejei ter rodas ou rodilhas. Até mesmo rodinhas de brinquedo quis um dia possuir de verdade.

Mas, se um dia for privado de minhas pernas ou pés. Mesmo descalço andarei. Mesmo sendo amuletado atrever-me-ei a andar de joelhos. Arrastando-me como serpentes não venenosas.

E irei, mesmo sem rodas ou cadeiras de rodas, em cantigas de rodas correrei.

Até onde ou quando? Fica essa pergunta nas alturas aonde pretendo chegar.

Mas que, com ou sem rodas ou rodeios, esse meu estilo meio torto de escrever podem dizer que fira a boa escrita.

Mas fica cá. Ou acolá. Que rodo entre as palavras com imenso prazer de assim proceder.

 

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