Quando a gente chega a uma certa idade, despedimo-nos da mocidade, tem-se o costume de olharmos atrás.
Embora sabedores que o conta é apenas o tempo pressente. Mas ao futuro não ficamos indiferentes. E um dia ele chega. Apesar de contarmos as horas passadas a largas passadas. O tal futuro, para nós, os idosos, tentar ignorar o que ele nos traz.
Se boas novas que bom. As más sonegamos. E seguimos em frente sem sequer pensarmos o que nos espera lá na frente. Pois, o que pra mim importa não é bater na mesma porta de quem não a quer abrir. E dizer a quem chega: “faça-me um favor. Nunca retornes sem querer ficar de vez”.
O que fica depois de certa idade não é a velhice que nos tinge os cabelos transformando-os em neve. Pode a gente ver enrugar a nossa pele. Mas nunca e jamais a alma que por certo dentro de nós habita.
O que permanece depois de certa idade não é ver os filhos emanciparem-se. E sim os netos acarinharem-nos com suas mãozinhas macias e ricas em ternura em suas diabruras inimagináveis.
O que conta depois de certa idade pra gente não é o sucesso que alcançamos. Nem os voos que alçamos muito menos os tombos que levamos. E sim a felicidade que nossos atos propiciaram aos que com a gente conviveu em salutar harmonia como um dia vi uma linda harpa tocando suaves melodias.
O que fica depois de não sei quantos anos vividos pra mim não serão quantas velinhas assopramos. E sim o sorriso de alegria ao ver nossos netinhos rodeados a nossa mesa se lambuzarem na glace do bolo.
O que fica ao sabor do assopro da ventania que descabelou nossos brancos e ralos cabelos é não ignorar que as palavras têm a leveza dos ventos e a força maiúscula das tempestades.
O que em verdade nos faz mais felizes é saber que a tal felicidade tem a efemeridade de um sopro que nos invade o peito de saudade quando alguém diz: “ e como você ainda é lindo apesar de seus muitos anos”.
O que fica atrás de uma verdade é saber que em quase nenhum momento faltamos com ela. E quem diz que uma mentirinha à toa não faz mal a ninguém pode estar equivocado ao comentar, por detrás: “falem de mim. Não por trás e sim encarando-me frente a frente. Se tens coragem”.
O que permanece por detrás dos outonos vividos é não temer a frieza dos invernos já que podemos aquecê-lo tendo ao lado o carinho e o amor de quem amamos e nutrem o mesmo sentimento como um bumerangue que vai e volta.
O que permanece dentro da gente não são as mágoas e ressentimentos. E sim os muito obrigado que nos enviaram sem que a gente soubesse a razão de tanta bondade que nem sabíamos possuir de verdade.
Aquilo que conta é descobrir, em cada aperto de mão, em cada folha solta levada pela ventania de um dia outonal. E que tudo isso valeu a pena.
Que cada livro escrito ditado pela minha fértil imaginação teve a felicidade de ter sido lido uma vez sequer. Embora ainda tenha incontáveis volumes à apreciação de vocês nessa estante atrás de mim.
Podem dizer que livros possam entulhar gavetas e estarem sujeitos a mofo. À morada de traças ou cupins.
Mesmo assim o que fica, dentro de mim, é o prazer de ter sido conhecido pelas minhas inúmeras obras cheias de letras enfileirando-se em palavras soltas.
O que desejo que permaneça, no dia em que eu partir pra outro mundo, outra esfera. É que, quem por ventura tiver pelo menos folheado uma página, um capítulo sequer de um livro meu, o que ele deixa escrito: “ como eu gostei”.