De repente me vi no espelho

Hoje, subindo pelo elevador que me eleva ao sétimo andar do meu prédio onde tenho minha oficina de trabalho. Meu mostrador de tempo mostrava cinco e meia dessa manhã ainda escura de vinte e oito de abril. Nesta sexta feira que antecede mais um feriadão.

Dentro daquela gaiola que sobe e desce. De vez em quando empaca de tanto cansaço e desgaste de suas peças. Fitei a parede de trás do ascensor.

E a ele disse: “espelho superfície espelhada. O que tu achas de mim?”

De começo ele nem me deu caras. Continuava afixado à parede traseira do elevador. Um deles. Já que o segundo, ao tentar subir por ele empacou. Simplesmente apertei um dos seus botões e a porta novamente se abriu.

Foi no primeiro que subi ao meu andar costumeiro. O sétimo. Unzinho abaixo do oitavo e dois, subindo mais dois degraus pela escada chegaria ao nono. Exato? Nunca me dei bem entre numerais. Já deixei escrito que as letras, palavras suaves, são as minhas prediletas.

E a esse espelho espelho não meu. O sabidão corretor ortográfico sublinha o segundo espelho. Dizendo ser errado repetir vocábulos iguais no word. E eu desdenhei da sua corrigenda. E não retirei o segundo espelho pois sou eu que escrevo não o tal corretor.

O espelho limpinho. Transparente e translúcido como águas de um riachinho onde sobrenadam lambarizinhos de rabinhos vermelhos. Ariscozinhos pois conseguem comer a minhoquinha sem se deixarem ir à panela.

À minha entrada na tal máquina que sobe e por vezes retruca; dizendo não ter direito a férias muito menos décimo terceiro e auxilio insalubridade. A superfície alcagueta, fazendo careta a minha frente, mal monossilabicamente proseia comigo.

Primero ao espelho indago: “olha pra mim! Apenas eu te vejo? E você, que refletes a minha imagem nada sacrossanta, nada diz? Pelo menos me contradiga. Eu te acho uma mala. E não mala e sim frasqueira menorzinha. Achas-me feio ou pior ainda? Mais feio que urubu pelado? Ou mais pior que piorado? Retruca, espelho espelho meu… Existe, por ventura de uma desventura aventureira, alguém mais belo do que eu”?

Ele continua calado. Pensei que o espelho do elevador do meu prédio fosse cego ou surdo mudo. E justamente injustamente comigo que sempre fui espicula e perguntão.

Não deixei barato muito menos me calei. Dizem que em boca fechada não entram baboseiras muito menos saem. E eu persisti, na minha persistência, a tentar arrancar algumas palavras da boca do espelho. No entanto dos entre tantos encantos, pensei cá comigo: “espelhos por acaso tens boca? Dentes, ou dentadura dura”?

Nessa dura pendura do meu existir não sei se espelhos espelham coisas boas ou ruins. Penso que as boas ele guarda pra ele. E as ruins ele vomita em nossas carantonhas velhuscas.

Mas, independentemente minha conversa com o espelho do elevador do meu prédio foi adiante.

“Quem pensas que és tu? Tu me inspiras falsidade e decrepitude. Tu és mais falso que uma nota de mil reais irreais. Vês se te enxergas cegueta! Enquanto só eu falo tu permaneces em mudez absoluta. Abres tua bocarra! Se não o faz pensarei que em ti faltam dentes e vergonha na cara. Estás-me entendendo? Ou irei calar-te minha própria boca suja!”

Do lado do espelho nem umazinha palavra. Enquanto a ele falava ele, o espelho me desafiava a uma queda de abraço. Concordei em abraçá-lo e ele se partiu em caquinhos miudinhos. Na minha cara ele se desintegrou totalmente mente.

De repente mente me vi no espelho.

Mais uma vez das duzentenas de vezes anteriores fiquei em dúvida sobre minha verdadeira identidade. Acabei sacando do meu bolso minha carteira de identidade e meu passaporte.

Dentro deles estampavam-se duas velhas fotografias.

Uma tinha a minha cara de médico urologista. Já a segunda mostrava-me escritor.

Foi exatamente esta a pergunta que pretendo fazer ao espelho do elevador: “qual destas identidades você prefere”?

Se, por acaso ele disser ser a primeira concordo. Sem acordão prévio.

Se for a segunda opinião não entro em desacordeon com o mesmo espelho espelho de todos nós.

 

 

 

 

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