Destino colorido daquele beija florzinho

Beija flores.

Passarozinhos de incontáveis cores e matizes delas. Cujos biquinhos finos e alongados parecem ter sido feitos para oscular flores e de seu sumo doce retirar o néctar substância polinizadora e não poluidora.

Avezinhas lindas que felizmente me parece não estarem na iminência de serem extintas pois avoam por aqui e acolá com suas asinhas frenéticas e agitadas. A mim me assemelham a pássaros avoantes por nós chamados helicópteros. Passarinhos esses que não carecem de combustível senão o próprio néctar das flores para tanto levantarem-se do chão como para aterrissarem num campo de pouso qualquer.

Um dia, num passado não tão distante. Quando ainda morava naquele ajuntamento de pessoas felizes não por estarem tão próximas. E sim por terem a felicidade de construir uma residência entre muros. Em casas de bom pedigree. Muitas delas cujo preço por metro quadrado subia a estratosférica quantia de alguns milhares de reais. Quantia esta impensada entre pessoas menos aquinhoadas pela fortuna. Pois em nosso país a desigualdade social infelizmente acontece. Enquanto uns moram em mansões paradisíacas conquanto outras vivem, nas suas misérias que nos causam tristeza, debaixo de pontes ou em calçadas esmolando sobras e pedindo ajuda.

Naquela linda morada por minha esposa edificada. Agora outro felizardo ali habita. Numa área ao fundo. Onde ainda creio existir uma churrasqueira e uma pia ao lado. Num minúsculo jardim. Espero ainda bem cuidado. Antes havia um vaso onde fora plantado uma rafia. Uma planta que não dá flores e sim de folhas verdes de um verdume ímpar.

Um casal de beija flores resolveu fazer de uma das folhas o amparo para seu ninho.

E eu fiquei a observar dos três ovinhos eclodirem pássaros símiles aos seus pais.

A cada dia entrava varanda adentro cautelosamente para não incomodar os pais dos beijaflorzinhos avoantes ao derredor da morada tosca de seus futuros filhotes.

Até que um lindo dia aconteceu a efeméride do nascimento.

Dos antes ovinhos. Agora reduzidos a um monte de cascas moles. Em primeiro lugar dei de ver à luz do dia os biquinhos de três avezinhas. A seguir três corpinhos saírem definitivamente dos ovos.

Aproximei-me cautelosamente deles três. A mãe beija flor e seu marido me olhavam de perto temerosos que eu afanasse seus lindos beijaflorzinhos. Mas tranquilizei-os dizendo que jamais faria mal a quem quer que fosse. E eles me disseram. Com seus bicos finos: “sabemos quem o senhor é. Um médico escritor que mora nessa linda casa. Bem o sabemos o quanto o senhor ama os bichos assim como desfruta o mesmo amor aos seus símiles”.

Nem bem uma semana se foi os três beijaflorzinhos avoaram sozinhos. Eu delezinhos me despedi dizendo-lhes: “bons voos. E não menos boa colheita de néctares das flores que irão oscular”.

Nunca mais os vi. Ontem passei por aquela casa. Não tive coragem de entrar pois lá não mais morava. Imagino que a rafia ainda mora lá naquela varanda. Que a churrasqueira ainda está no mesmo lugar ao lado da pia.

Já no dia de ontem. Um sábado, pois, hoje domingou.

Num pernoite em minha casa beira lago. Em companhia de mim mesmo e meus dois cães. Num pastinho ao lado relinchavam três cavalos. Duas lindas éguas prenhas e no outro pasto um cavalo tentando pular a cerca e ir de encontro as suas amadas.

Depois de muita correria a outros sítios vizinhos. Bem acompanhado pelos meus dois guarda costas Clo e Robson. Pra quem não os conhecem Clo é um filhotão da raça fila brasileiro. Já Robson é uma mistura bem dosada de vira lata com pastor alemão preto.  Clo sempre ao meu lado com sua enorme língua de fora e Robson espevitadamente perseguindo vacas e quem encontra mais adiante.

Ao chegarmos arfantes de cansaço. Ao entrar em minha casa passei os olhos numa figurinha que a princípio pareceu-me uma borboleta ou um morcego falecido.

Depois de alguns segundos olhando o que seria aquilo acabei me acostumando a escuridão reinante naquele começo de escada.

Com os dedos da mão direita toquei aquele pequeno objeto que não era uma coisa morta e sim ainda respirando debilmente.

Sabem que era aquilo? Não um morcego e muito menos uma borboleta. E sim um pequeno beija flor desfalecido no primeiro degrau da escada que leva a quatro quartos amplos e um cômodo de banho.

Apanhei aquela coisiquinha na palma da minha mão.

Senti que o pequeno beija flor ainda respirava debilmente. Seu biquinho meio aberto pediu-me água. E eu a ele ofereci.

Já do lado de fora da cozinha depositei, com imenso cuidado e desvelo, o beijaflorzinho num vaso de rafia. E esse vaso, ao contrário do da minha casa no condomínio. Plantado, por minha esposa, florzinhas vermelhinhas de beijinhos multicores.

Ali deixei o filhotinho de beija flor. Ainda não sabia se vivo ou não.

E continuei as minhas andanças. Pelas estradas afora sempre na agradável companhia do Clo e do Robson espevitadíssimo.

No dia seguinte. Ao acordar numa fria manhã. Logo fui ver como estava o beijaflorzinho desfalecido no dia anterior.

Não o vi onde o havia deixado na noite anterior.  O vaso de rafia estava no mesmo lugar. As florzinhas multicores de beijinhos estavam no mesmo vaso.

Elas sorriram na minha direção. Penso que todas elas sorriam pra mim e não de minha pessoa.

Uma delas, diferente das demais. Uma flor distinta com seu bico fino e asinhas ligeiras de cores esverdeadas. De repente avoou. E acabou pousando na palma da minha mão. A mesma mão que levou o pequeno beija flor ao vaso daquela planta.

Sabem quais foram as palavras que aquelazinha flor me disse?

“Bom dia meu caríssimo doutor Paulo Rodarte. Sabes quem sou eu? Sou, nada menos e nada mais, que aquele beijaflorzinho que o senhor salvou de morte certa naquela escada de sua casa beira lago. Lembras que fui depositado inerme entre essas lindas florzinhas de beijinhos naquele vaso de rafia? E, na manhã seguinte, quando todos me julgavam morto. Renasci na forma de uma flor de beijinho. Acreditas”?

Se disser que sim talvez vocês digam não. E, se ao revés eu disser que não. Vocês digam não mesmo.

Tudo vai depender de um pequeno detalhe.

A credulidade depende, sub-repticiamente mente em não mentir. E, se eu por acaso minto não me levem a mal. Pois, escrevendo e ficcionando aquilo ou aquilo outro que se passa nas minhas ideias fecundas não sei se sim digo ou me contradigo dizendo não.

O fato retrato é que aquele pequeno beija flor renasceu sob as pétalas macias e coloridas de uma florzinha de beijinho não tenho dúvidas.

 

Deixe uma resposta