Em tempos recentes tomei por hábito disparar com meu i-phone novo fotografias as quais se nomeiam selfies. Muitos que os têm recebido criticam aquelas imagens reflexos de nosso eu instantâneo. Dizem ser de mau gosto nossos rostos por cima de paisagens novas, por se tratarem de locais magníficos empanados por caras bisonhas, que nem de longe retratam modelos belíssimos, dentre os quais algumas brasileiras das passarelas.
De fato concordo em parte com estes comentários. Ao me ver nos tais selfies uma pessoa envelhecida, olhos turvos, olheiras profundas, por baixo do queixo sobras de pele que descem pescoço afora, calva brilhante e vermelha depois de correr com o sol a descoberto, sulcos marcantes se mostrando renitentes da asa do nariz a ponta dos lábios, bilateralmente; e outros detalhes maiores que não quero deixá-los desnudos, indícios evidentes de idade anciã, se não provecta, em vias de.
Da mesma forma que os sinais enunciados acima são de tal forma contundentes e precisos as imagens que tenho guardadas na memória exausta do meu celular novo são uníssonas com as distintas faces que observei na viagem que hoje terminou a um país intrinsecamente ligado ao nosso presente, passado, tomara que se perpetue pelo futuro, de hoje em diante. Melhor, pra sempre.
Já estive em Portugal quando de minha vivência na Espanha. Isso foi há muito e muito tempo. Precisamente em meados de 1976, fim daquele ano, imprecisamente.
Se não me titubeia a memória apenas Lisboa e arrabaldes foi visitada, mesmo assim sofregamente.
Um dia depois das festas de celebração do Natal, dia 26 de dezembro que se despediu melancolicamente, fomos, minha adorável esposa e eu, em viagem de férias ao velho continente.
Apeamos, depois de uma viagem exaustiva, depois não me digam que andar de avião, em classe turística, aquela bem econômica, apertados como a deliciosa sardinha portuguesa em lata, no aeroporto da capital lusitana, é um prato palatável como saborear um belo linguado a portuguesa.
Não se torna repetitivo que herdamos de ali o costume de esperar pacienciosamente numa fila quilométrica. Ainda bem que nós dois, seniores, passados dos 65 anos, temos o direito de suportar estoicamente menos que outros vis mortais, na fila menor, dos privilegiados maiores de idade.
Uma vez embarcados num taxi amistoso, numa temperatura amena de oito graus Celsius, depois de tentar mudar minha entonação de voz para não dar na cara de que éramos brasileiros turistas, meu acento me traiu incontáveis vezes, o taxista, naquele sotaque característico do português ali nascido, criado, atencioso e afável, me fez conhecedor de que quem vive em Lisboa é Alfacinha. Ou Lisboeta, como queiram.
Uma vez internos num bom hotel, reservas feitas de antemão por minha norinha querida, rato de internet (em tom de admiração), notamos o quão foi acertada aquela localização.
Central, perto de um comércio apetitoso para quem tem a mania de esvaziar os surrados bolsos em lojas de bom pedigree, a exemplo o Corte Inglês, loja de departamentos que seduz sempre, outra de artigos esportivos de nome Decatlon (não perco a mania de pensar que sou atleta, além de não ser poeta, sou cronista persistente), a boca do metro, sem acento no o, pertinho de onde a vista descansa, no dia seguinte começamos a epopéia descobridora de Lisboa.
O simpático porteiro do hotel Turim, um dos tantos Turins enfiados por Lisboa, nos indicou um restaurante perto, para tentar matar a ansiedade de provar a deliciosa comida lusitana.
Era meio de semana. Aquela semana morta, entre a passagem de ano e o Natal.
Demos de olhos e cara na porta do restaurante Solar do Presunto hermeticamente fechada.
Fomos parar em outro na mesma calçada. Onde almoçamos, já era perto das duas da tarde, hora local, um belo prato de bacalhau, acompanhado de um vinho do Alentejo.
Naquele mesmo dia fresco aprendemos um cadinho da simpatia e hospitalidade portuguesa com certeza.
Por mais que tentasse falar como eles, naquele português castiço, logo algum gajo (não se pode falar gajo a um conhecido, é descortesia), logo seriam descobertas as minhas raízes dalém mar, isso é, do Brasil.
No dia seguinte, ainda de metro, estação Parque, guiados por um simpático mapinha nas mãos, fomos encaminhados ao Centro Cultural de Belém.
Incontáveis e insuportáveis selfies estão registrados no meu celular, incansável companheiro, nas passagens pelo inigualável Mosteiro de São Bento, sua suntuosidade, seu frescor, sua história. A Torre de Belém já estava de portas fechadas, pelo adiantado da hora.
Perto de ali provamos e nos encantamos com o pastel de Belém. Novas filas, novas gentilezas, mais e mais expectativas para o dia seguinte.
Antes que ano nos fechasse os olhos visitamos a linda Cascais e o não menos suntuoso Estoril.
Tudo caminhando, lentamente, dando aos olhos um baile de beleza e poesia, mirando o lindo oceano Atlântico, que de novo nos levaria ao brasil.
Passamos o ano sem ver os fogos de artifício que coloriram em cores feéricas a linda Rua do Comércio e o calçadão da Rua Augusta.
Novo dia, e a visita à Portugal só estava no começo.
Vocês já foram à Cintra? Não? Então vão.
Desta feita quem nos levou até lá não foi o metro. E sim o comboio, como o trem de ferro é chamado, nas terras lusitanas. Aquela cidade no alto de um morro alto é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade pela UNESCO. Pelas ruas medievais passamos pelo Palácio Nacional de Cintra. Pelo Cabo da Roca, o ponto mais ocidental do continente Europeu.
Deixamos Cintra sem desejo de dali partir.
Quem vai a Portugal não pode sair sem conhecer o Porto, capital do norte de Portugal. Lugar tão antigo ou mais que a própria pátria descobridora do Brasil.
Ficamos no Porto o suficiente para não querer voltar a outro lugar.
O Fado, creio, sem muita capacidade de julgamento, está com os dias contados no mundo musical. Pena, mais uma vez, pena. É um espetáculo em que a fadista canta e encanta de olhos fechados, suspirando a canção. Mais uma vez bacalhau, polvo fresco, e tome vinho, nos intervalos.
Acordamos com o dia carrancudo, frio, e chuvoso. Mesmo assim fizemos um poético tour pelas águas verdes e frias do piscoso Rio Douro, que desaparece no mar, perto de ali.
Três dias e duas noites no Porto não são suficientes para degustar a fidalguia dos Tripeiros, como sãos conhecidos os moradores da capital que rivaliza em beleza e poesia com Lisboa.
Mas a cidade do Santuário nos esperava com seu semblante de fé em Nossa Senhora de Fátima. Foram alguns minutos somente. Ao caminhar por aquelas lojinhas onde se vende tudo, lembranças e souvenires, foi quando meus ouvidos moucos escutaram a frase que dá título ao meu texto : “Dar de comer aos olhos”.
A volta à Lisboa se deu não em comboio. E sim de Caminhoneta, como é conhecido o ônibus intermunicipal de Portugal.
É a melhor forma de se deslocar em curtas distâncias, observando as paisagens, curtindo o visual.
O simpático motorista que nos conduziu no retorna à Lisboa, estávamos no primeiro banco, de nome Cunha, durante todo o trajeto me fez, não apenas inteirar das vilas por onde passávamos, dos problemas de Portugal, dos dialetos e sotaques, desde Viana do Castelo ao Algarves, de Bragança a Setubal, dissertando sobre a correção e fidalguia dos seus conterrâneos, de que simpatia atrai simpatia, gentileza gera gentileza, e outros quesitos mais.
Foram quase quatro horas de conversa amena e cordial. Por vezes, eu me assentei um andar acima de onde ele dirigia a caminhoneta, não entendia o seu português local. Uma senhora de fala mais audível é quem por vezes traduzia algumas frases do Seu Cunha. Por fim nos tornamos amigos, cúmplices e companheiros. Ao fim da viagem, já na porta do ônibus, Seu Cunha depositou sobre meus ombros um afável abraço de despedida. Confesso que me emocionei, mais uma vez dentre tantas outras, com a gentileza e decência dos patrícios dalém mar.
De volta à Lisboa, o retorno das férias estava marcado para o dia seguinte, conseguimos, afinal, apreciar os pratos do propalado restaurante Solar do Presunto. Não precisa repetir que não só demos de comer aos olhos bem como embarrigar a barriga, mais uma vez pagando o preço justo, sem tirar nem botar.
Não posso encerrar a narrativa sem deixar explícita a minha admiração por Coimbra. Ali servem não somente o leitão bem como a mesma afabilidade dos seus habitantes, daquela cidade onde os estudantes, quando em férias, deixam a cidade vazia, como a nossa querida Lavras, em tempos de férias da UFLA.
Ou dedicar o fim das minhas linhas à beleza do Oceanógrafo de Lisboa, onde, naquelas paredes que exaltam a beleza do mar e seus moradores, incentivam a conservação da natureza marinha, uma escritora que amava o mar, de nome Sofia de Melo Breyner Andresen, deixou escrito, sobre o mar: “Minha alma metade é maresia”.
Ao que acrescento, aos portugueses e Portugal: “A minha alma não é apenas maresia, como dela brota poesia, aos encantos da pátria que nós reverenciamos como nossa mãe, desde Lisboa ao Porto, a Coimbra e a Fátima, a Sintra e a Cascais, aonde quer que se vá, de Portugal aprendi a gostar, demais.
Estive ali a dar de comer aos olhos e acabei enternecendo-me o coração…