Já passei da hora de morrer

Uma indagação me atormenta: “como seria se a gente pudesse escolher a hora de morrer? E qual o dia e o mês seriam”?

Ainda bem que não se conhece o dia. Pra mim seria um dia ainda bem distante.  Dos meus setenta e cinco anos. Meu saudoso pai partiu aos setenta e sete. Vítima de pertinaz enfermidade. Já minha querida mãe despediu-se de nós aos oitenta e três.

Ainda me lembro de quando a levei ao hospital elazinha me perguntou: “Paulinho, será que vou morrer”?

Mal sabia eu como responder a sua pergunta. Mesmo como médico, acostumado a constatar tantos óbitos. De vez em quando um paciente deixava essa vida rumo a outra. Se é que ela existe.  No caso da minha mãe se pudesse dizer: “não minha querida. Você ainda tem muito tempo de vida. Logo estaremos de volta pra casa. A nossa família a espera. Você faz muita falta”.

Mas pena… Ela nos deixou naquele dia. Sem pedir licença ou atender as minhas súplicas. Ela morreu em meus braços. Depois de tentativas vãs da equipe médica que a assistia.

Isso de passar a hora de morrer não tem dia nem hora. Morremos numa data indeterminada. Sem mais nem menos deixamos de existir.

Tenho um amigo e compadre. Seu Benedito, pessoinha de bom convívio. Já beirando o centenário. Morador de uma localidade de nome Queixada. Zona rural pertinho de minha cidade. Que de vez em quando por aqui aparece.

Sempre alegre e sorridente vem a consulta sem marcar a hora.

A última vez foi num dia como esse. Céu cinzento, nuvens tapando a boca do sol.

Mal se via um palmo adiante do nariz. Cerração baixa o sol racha no mais tardar do dia.

Assim foi.

A consulta foi de rotina. Seu Benedito mais queria prosear.

De nada se queixava.

“Urino muito bem. Não molho o bico do sapato. Só que durante a noite me levanto, encho o pinico. Não dói para urinar. Ah! Também, com a idade que tenho. Já passei da hora de morrer. Qualquer doencinha tiro de letra. Espero não carecer de nenhuma operação. O que vosmecê me recomenda? Tem algum remedinho para me receitar? Se tem amostra grátis melhor ainda. Venha me visitar”.

A consulta terminou já com o sol bem alto. A cerração se dissipou. Receitei ao Seu Benedito uns remedinhos para melhorar a urina.  Depois de fazer exame naquela zona por demais evitada pelos machões.

Pensando bem, se a gente pudesse escolher a hora e o dia pra morrer. Pra mim não seria nunquinha num dia como esse. Seria sim num primeiro de abril. Dia da mentira. Ou num primeiro de maio. Pra quem não gosta de trabalhar. Seria talvez num dia de São Nunquinha. Já que nunca seria impossível, quem sabe noutro dia indeterminado.  Sem data marcada deveria ser. Agora, isso de ter passado da hora de morrer, eu nunca vou dizer.

Ainda tenho muitos anos pela frente.  Muita s datas a serem celebradas. Muitos sorrisos a serem ofertados a quem não sabe sorrir. Muitos apertos de mãos.  Incontáveis brincadeirinhas juntinho aos meus netinhos. Muitos dias ensolarados ou chuviscosos a serem desfrutados. E por que não muitos abraços e carinho a serem doados, graciosamente.

Fazendo tudo isso não vou me queixar da vida. E jamais terei passado a hora de morrer.

 

 

 

 

 

 

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