Quem somos nós para frear o tempo?
Ontem já se foi. O mês de março se despediu faz um mês inteiro. O ano passado passou de repente. O meu aniversario deixou rastros em dezembro. Já tive meus vinte anos. Agora não os tenho mais.
Ah! Se eu pudesse dar um basta nas horas! Trancá-las-ia numa jaula e jogaria a chave fora.
Não iria ver as horas passarem. O tempo escorrer entre meus dedos. Os dias se transformarem em noites. Como me sinto bem em manhãs ensolaradas. Bem cedinho madrugo. Acendo a luz do meu aquário. Os peixinhos agradecem a luminosidade.
Se pudesse por freios no tempo faria de bom agrado. A nossa infância se foi. A maioridade tão desejada passou num lampejo. As brincadeiras de crianças mudaram. Antes não tinha o tal celular. Os joguinhos de finca e bete agora ficaram imersos no baú da saudade.
Quase não temos tempo pra nada. Acordamos bem cedo. Antes das oito já me esperam. Do lado de fora da sala, alguns pacientes. Atendo aqueles que estão agendados. O intervalo do almoço é bem exíguo. Precisamente as treze já estou aqui. No segundo tempo de um dia que mal começou. E a noite me espera de luzes apagadas. Tenho medo da escuridão. Não tenho pela noite em alta estima. Tenho medo de não acordar e nem ver o outro dia começar.
De vez em quando me pergunto. Olhando em direção aquela rua onde cresci ao lado dos meus pais.
“Pra onde foram os meninos da Costa Pereira? O Cosme e o Damião. Filhos gêmeos da Dona Ester e do Seu Pedro. Ambos da minha idade. O Cosme ainda vive. O Damião não vive mais.
Onde será que anda meu amigo de infância de nome Zé? A derradeira vez que o vi ele estava internado num hospital. Agorinha mesmo me passaram a noticia do seu passamento. E elezinho era ainda bem mais novo do que eu. Uns dez anos acredito. Não tenho encontrado meu amigo da rua de baixo. Cujo nome era Abílio. A última vez que nos encontramos ele já estava bem velhinho. Carcomido pelos anos. De andar claudicante. Abengalado mal caminhava. Não sei se ele ainda vive. Tomara nos encontremos aqui na terra. E retarde nosso reencontro lá no alto. De vez em quando me encontrava. Na mesma academia onde frequentávamos. Com outro colega de escola. Aristeu não me pareceu tão enfermo. Mas agora mesmo soube que uma doença o levou ao andar de cima. E o alegre Fábio da dona Cléia, irmão do Piriquitão. Aquele rapazinho engraçado. Meio lelé da cuca. Qual seria seu paradeiro? Uma vezinha só fui a sua fazenda. Montado a cavalo. Almoçamos juntos e nos despedimos nos lembrando dos velhos dias. Já o meu velho amigo Pedro Coimbra. O qual acompanhei seus últimos dias já no leito de um hospital. Ele também já se despediu da vida. Mas aqui ficaram suas obras literárias; uma das quais tive a honra de prefaciar. Lembro-me ainda do Zé Arley, o irrequieto Tampinha. Do Gibinha e do Januário, ambos da minha idade. Companheiros da minha infância. Que infelizmente não volta mais”.
Nessa lista faltam muitos amigos que já se foram. Não me lembro de quantos são. Creio que serão nomeados muitos mais até a minha partida. A qual tento adiar sine die. Embora a minha vontade seja viver muitos anos mais quem sou eu para postergar minha despedida? Isso nem eu sei. E quem sabe tomara não me diga.
A minha geração tá indo embora. Muitos colegas de infância já partiram. Meus pais seguiram adiante. Meus tios não vivem mais por aqui.
É a ordem natural da vida. Não temos como nem pretendemos mudá-la.
Mas não me impeçam de sentir saudades. Dos velhos tempos perdidos nas minhas lembranças. Dos velhos dias em que vivi, ao lado dos meus queridos pais.