Aquela semana santa prometia chover do começo ao fim.
Mesmo assim Zé Mané acordou a mesma hora de sempre.
Pontualmente as cinco da matina.
Choveu a noite inteirinha. Do lado de fora da sua janela se podia ver os pingos da chuva despencarem do alto. Não se via o céu. Decerto algum santinho protetor do secume da terra teria escutado as súplicas de alguém que queria plantar.
Mais água prometia cair durante a semana inteira. Chuva em excesso prejudica. Quando escasseia põe a plantação a perder.
Zé, naquele mês de abril em sua metade, iria completar oitenta anos de idade.
E não se sentia velho. “Velho, pra mim, é quando se dobra a serra. Não consegue andar mais. Enxerga o fim da vida. Mas ela está apenas no começo pra mim”.
“Deus ajuda a quem cedo madruga”.
Esse dito popular é como ele pensa. Dai o seu costume desde quando passou dos entas.
Zé acorda antes das galinhas cantarem. Na sua rocinha são elas que começam a cantoria. E o galo carijó não canta mais. De tão velho que é já se esqueceu como se canta as franguinhas.
Zé nem parece a idade que tem. Corpo rijo como bambu gigante. Vasta cabeleira negra como a noite escura. Cara lisinha como bunda de nenê. Anda sempre com a coluna ereta. E não dispensa uma pinguinha das boas a hora das refeições.
Ele diz que nunca precisou ir ao doutor. Se foi já se esqueceu. Zé tem uma memória tão boa tanto pra fatos pretéritos ou ainda fresquinhos como água da mina. Lembra-se da sua primeira namoradinha como da última que já faleceu.
Pra ele não tem tempo ruim. “Se melhorar piora”. Mostrando um sorrisão desdentado na sua alegria costumeira.
Qual o segredo da sua longevidade? Costumam a ele perguntar.
Foi no sábado passado que a ele visitei. Ainda do céu caia água. Sem indícios de que iria parar.
A estrada estava uma calamidade. Era pura lama, quase impossível de transpor.
Mesmo assim cheguei. Já passava das oito da noite. Céu escuro. Noite emburrada.
Encontrei o Zé Mané já dentro de casa. Acordou bem cedinho. Como de hábito fazia.
Zé não tinha parança. Irrequieto desde menino.
Não tendo como voltar à cidade acabei pousando por lá.
Zé, não só concordou como me disse seja bem vindo. Na minha casa, embora bem pequenina, sempre cabe mais dois.
Deixou-me a vontade inclusive para tomar banho. “Aproveita meu amigo. Vosmecê nunca tomou banho numa banheira como a minha. De tão grandona ela mais parece uma piscina. E não se apoquenta. Não tenha pressa. Não gasto eletricidade, pois a água esquenta devido à serpentina do meu fogão a lenha.
Assim não pude recusar. A chuva continuava e nada de querer parar.
A certa hora da noite. Antes que o relógio indicasse quase oito e meia. Zé manifestou o seu desejo de dormir.
Pra ele já era bem tarde. Pra mim, nem tanto.
Trocamos meia dúzia de prosa. Era oito em ponto.
“Zé Mané. Qual o seu segredo para se conservar tão novo? Eu sei que você já passou dos oitenta e muitos. E ainda não tem cabelos brancos.”
Zé fungou, bocejou de sono e soltou essa: “quer mesmo saber? Eu estico minha vida acordando bem cedinho. Ai tenho mais tempo pra ver o dia passar. A noite pra mim é bem curtinha. Tenho medo de não acordar. Não tenho sono. Dormir não me faz falta. Trabalhar sim, é do meu agrado. Vem dai a minha longevidade. Os anos não me pesam nos costados”.
Acordei, no dia seguinte, com o cantar das galinhas. Bem cedinho ainda. Conforme as instruções do amigo Zé Mané.
E olha que os meus bem mais de setenta não me fazem nenhum mal.