Pau que nasce torto nem carece de corrigir defeito.
Assim ele foi ensinado. E vive segundo suas crenças.
Aquele Manezinho, que nasceu menino ladino, aprendeu o oficio de retireiro com o pai, que herdou do avô acordar bem cedinho. Antes do galo cantar e das galinhas empoleirarem. Antes das cinco da matina já estava de pé.
Jovenzinho ainda era pau pra toda obra. Aos dezoito, já na maior idade, foi que perdeu a castidade com uma mulher dama. Que lhe jurou amor pra toda vida. Mas com o segundo prometeu a mesma coisa. Acostumada que estava aquela vida desregrada. Dormindo até mais tarde. Já que seu oficio a ela impunha certas condições. A tal Madalena, mulher que se perdeu aos doze anos. Sendo filha de uma mundana. Quando teve na cama o afoito Manezinho. Que teve ejaculação rapidinha. Por ele se encantou. Mas elezinho, sonhando em ter ao seu lado uma mulher pra viver a vida todinha. Logo redescobriu o amor nos braços da Catarina. Uma mocinha pudica recomendada pelo pároco celebrante da missa das dez.
Tempos se foram. Catarina e seu amado Mané viveram por pouco tempo juntinhos. Ela não se acostumou à vida dura na roça. Deixou seu Manezinho chupando dedinho. Enfeitiçada pelo dono do caminhão leiteiro passou a viver com ele na cidade. Mas logo se enfarou delezinho. A bela Catarina, tão logo percebeu que aquele amor era passageiro. Mudou de parceiro. No momento presente não sei o que foi feito dela. Do amigo Mané guardo boas recordações.
Ele tem por sobre o pós nome de Torresmo. Não sei se por gostar daquela iguaria feita da gordura da banha de porco. Que bem sequinha e crocante desmancha na boca e faz salivar de tão gostoso. Eu mesmo não dispenso unzinhos como tira-gostos.
Acontece que, com o passar dos anos, a gente acaba mais perdendo do que propriamente ganhando.
Ganhamos idade. Perdemos a mocidade. Ganhamos experiência e perdemos as chances de enricarmos.
Ganhamos calorias difíceis de perder. A barriga incha e as mulheres se afastam. Mas quem diz que elas gostam da gente se enganam. Mulheres gostam da grana que elas podem gastar. E ai da gente se não a temos. Logo seremos substituídos. Já que sapato velho não esquenta armário. E a gente, quando de mais idade, temos a mesma serventia de uma lâmpada queimada.
Sô Mane ia colecionando anos. Aos quase oitenta morava só. Já quase com a quilometragem vencida ele continuava na ida da roça. Ainda rijo como cerne da amoreira. Apreciando sempre uma cachacinha bem acompanhada de um torresminho. E de uma mandioquinha frita na gordura bem quentinha.
Foi naquele fim de tarde que nos encontramos. Era ainda cedo, antes das galinhas dizerem boa tarde no poleiro.
Sô Mané, como de costume, assentado no rabo do fogão a lenha. Cujas brasas ainda crepitavam. Ofereceu-me uma canequinha de pinga. “Da boa – desconjurou ele”.
Aceitei de bom grado embora fosse amante de um bom Cozumel.
Meia hora se foi. O tempo fechou. Tinha de ir embora pra cidade. A chuva despencava ruidosamente. Relâmpagos riscavam o céu.
Antes da despedida notei que na boca do amigo Mané se ouviu um estalido. Era como se alguma coisinha se quebrasse.
Naquela hora Sô Mané engasgou. Não fosse por minha oportuna intervenção ele teria parado de respirar.
Com o dedo que uso para examinar a próstata tirei um torresmo da sua garganta. E um fragmento de dente partido junto a uma coroa bem velhinha. Já passando da hora de ser trocada.
Rimos do quase trágico acontecido.
Foi quando meu amigo Mané do torresmo me disse tapando a boca de vergonha.
“Ah! Perdi um dente e acabei ganhado mais um amigo. E logo logo vou ganhar uma dentadura novinha”.
Despedimo-nos com esse pensamento. A vida, em verdade, é uma sucessão de perdas e ganhos. Eu tenho ganhado mais do que perdido.