Ainda me lembro dela.
Naquela rua encoberta pela penumbra da madrugada.
Daqui não se deixa ver. A escuridão me impede ver como ela era.
Ainda me lembro. Saudades avoam. De quando fui morar naquela casa.
Era o ano distante de um mil novecentos e cinquenta e cinco.
Vindo, ainda menino, aos cinco anos, de uma cidade vizinha, cujo nome me traz esperança.
Foi em Boa Esperança onde nasci. Não me recordo com exatidão qual foi a casa onde vi o mundo pela primeira vez nos braços da minha mãe.
Um dia passei por lá. Entrei pelo portão. Era uma casa assobradada. Com um lindo jardim cheiinho de canteiros de rosas coloridas. Hoje aquela casa abriga um centro cultural. A dona Didi, segundo me disse seu filho Marcelo, era uma senhora elegante. Que amava ler. Hoje penso que ela deixou seu hábito de leitura a mim. Que não a conheci.
A casa onde passei a infância não existe mais. Dela não restou senão um lote vazio. Agora quase ocupado por um prédio em construção.
Como me lembro dela. Uma linda varanda olhava em direção a rua. Antes calçada de pedras duras. Que agora foram recobertos pelo asfalto.
Entrando porta adentro se podia ver uma sala ampla. Com duas poltronas não sei de cor eram. Um lindo quadro de podia ver numa das paredes. Uma paisagem bucólica campesina era o que se podia admirar.
Uma copinha anexa era onde tomávamos refeições. Era lá que comemorávamos o aniversário da minha querida irmã Rosinha.
A cozinha era unida intimamente a essa copa. Uma mesa de cimento, coberta por azulejos coloridos. Com quatro lugares a nós destinados. Era onde minha mãezinha nos servia deliciosas refeições.
Um corredor nanico unia nossos quartos. O meu e do meu irmão era o último à esquerda. Um espaçoso cômodo de banhos era onde nos banhávamos em meninos. O quarto dos meus pais era o do meio. Um banheiro anexo, construído depois. Foi poucas vezes utilizado por eles dois.
Descendo por uma escada íamos a outro quarto. Reservados aos hóspedes que porventura apareciam.
O escritório do meu pai era logo adiante. Minúsculo, era onde a velha Facit trabalhava.
Hoje a velha máquina de escrever se dá o merecido descanso. Num quarto da minha roça.
Qual seria a melhor casa do mundo? Seria a casa dos avós? Onde nos reuníamos nos fins de tarde? Onde os primos contavam causos de nossa infância? Ou seria aquela casa que construímos a duras penas? Quando enfim, a mercê de nossos salários minguados, conseguimos edificar num tempo que pra nós parecia infinito.
Já morei em distintas moradas. Numa casa enorme agora transformada em escolinha. Num bairro elegante de nome Centenário. Agora não tenho coragem de passar por lá. Aquela casa grande foi bastante modificada. Não como a deixei anos distantes.
Já morei noutra casa. Daquela tenho saudades. Pretendo voltar a morar lá. Onde uma velha seringueira me olha da janela do meu quarto. Como se quisesse me dizer: “volte logo. Tenho saudades das crônicas em que fui citada. Como uma vetusta árvore desterrada da sua Amazônia tão querida”.
Hoje moro num espaçoso apartamento. Bem no centro da cidade. Lugar privilegiado. De fácil acesso a todos os lugares.
Agora lucubro. Já que não dispenso as pernas. Quase não uso carro para meus deslocamentos.
Uma das melhores casas do mundo não é mais aquela onde morei em menino. A casa dos meus pais e dos meus avós não existe mais.
A casa melhor do mundo é esse apartamento. Onde me sinto bem.