Lá no mato se acorda cedo. Ao cantar do galo e o empoleirar das galinhas.
Antes que o sol desponta no alto já se põem de pé.
Tem tanta coisa pra fazer que o tempo ruge faminto. Uma trabalheira danada espera os madrugões.
Dona Tiana, que em verdade se chama Sebastiana. Abrevia seu pré nome para economizar tempo. Aliás, o que não lhe sobra, naquelas paragens perdidas no fim do mundo, se chama tempo.
Bem antes das quatro da madrugada ela e seu marido já estão na lida. Haja esforço. Tem-se de ter tutano para enfrentar as incontáveis tarefas que os esperam.
Tomado um cafezinho magro, requentado na trempe do fogão a lenha, os dois já estão no curral. A vacada faminta já os espera mugindo de fome. Dentro do bezerreiro os filhotes berram um bé de saudade de suas mães.
Ordenha encerrada. A velha mula empacadeira já foi atada à carroça para subir o morro.
Naquela manhã de abril, quase findo, as chuvas se despediram. Uma lama viscosa torna a subida mais difícil do que foi no dia de ontem. Foi preciso que Seu Mané ajudasse a velha mula carroceira a subir a ladeira. Mas já estava acostumado e não se queixava. Se o fizesse ai dele. Dona Tiana, com aquela braveza costumeira, não iria deixar o pobre desinfeliz marido dormir em sua companhia. E só lhe restava o velho sofá. Morada de ratos e percevejos.
Uma vez o leite tirado, a carroça subindo o morro topetudo. O velho caminhão leiteiro partindo em direção ao laticínio. Ainda cabia ao maridão cortar capim e cana para alimentar a vacada faminta. Tarefas concluídas antes das dez e meia. Um intervalozinho para pitar um cigarrinho de palha sempre apagado.
Dona Tiana já estava no chiqueiro. Com a porcada grunhindo a espera do soro que foi deixado pelo caminhão leiteiro. Enquanto isso seu Mané já estava com a roçadeira ligada para roçar a pastaria que mais parecia um sarandi. Trabalho pesado. Que terminou antes das onze e meia. Hora do almoço.
Dona Tiana já o esperava com o prato cheio pelas bocas. Que fartura era aquela. Linguiça feita no natal passado. Um arrozinho soltinho cozido na gordura do porco. Um angu de fubá novo. Couve colhida da horta naquela horinha mesmo. E, se não bastasse aquilo tudo um torresminho crocante que faz tlec tlec e se desmancha na boca.
Uma vez a comida no estômago Seu Mané mal tinha tempo para um cochilo. Dona Tiana já o esperava para fazer um queijo. O segundo tempo mal começava. Ainda sobrava a parte da tarde para um breve soninho gostoso numa rede esticada entre duas velhas amoreiras.
Eles eram casados há mais de sessenta anos. Não tiveram filhos. Que por sinal não lhe deram netos. Eram um para o outro. Viviam até certo ponto bem. Desde que Seu Mané não desobedecesse as ordens da dona Tiana.
“Sim senhora. As suas ordens”. Respondia ele quando elazinha dava ordens.
Dona Tiana fazia aniversário em dezembro. No dia quinze ela completava noventa exatos.
Seu Mané um ano mais novo.
Foi num sábado que os visitei. Não foi a primeira vez nem a última. Espero.
E que casal agradável de se ver. Eles quase não discutiam. Também pudera. Quando um não quer dois não brigam.
Era por volta das três da tarde. Hora de descanso. Depois de quase um dia inteiro de feroz labuta.
Dona Tiana acabava de fazer uma deliciosa broa de milho. Cheinha de queijo fresquinho.
Fui convidado para o cafezinho. O qual apreciei de verdade.
Antes de ir embora tive a curiosidade de perguntar a receita de tanta camaradagem. Afinal é passada quase uma vida inteira juntos. Sem sequer uma rusga ou uma reles discussão.
Dona Tiana, mostrando sinais de sabedoria nos seus muitos anos, assim me confidenciou: “ah! Quer mesmo saber? A principio come a picanha. Com o passar dos anos chupa os pezinhos de frango”. Num é”?
É, de verdade; dona Tiana está coberta de razão.