Hoje é dia vinte e cinco de dezembro. Faz sol.
O tempo de oferecer e ganhar presentes aconteceu na noite de ontem.
Debaixo da árvore de Natal, ou espalhados por toda parte, escondidos como se usava antes, crianças do mundo inteiro, uma parte significante delas, tomara que a grande maioria tenha de fato encontrado uma lembrancinha singela: um caminhãozinho de madeira reciclada feito por um encarcerado, um pião com a sua cordinha que o faz girar, um saco cheio de bolinhas de gude, de todas as cores, com que o menino pobrinho ira jogar; ou, nas casas mais abastadas, em volta da linda árvore de Natal feericamente iluminada, a criança rica encontre não apenas o carrinho acionado por controle remoto, ou o enorme carrão branco, com espaço suficiente para dois irmãos abrigar, bem como não cresça naquele berço doirado sem sequer identificar as voltas que o mundo dá. E nunca pense apenas nela mesma, como também nos outros meninos, ou meninas, sem a mesma sorte de terem nascido não numa estrebaria, e sim num palácio suntuoso, naquele condomínio entre muros, vigiado diuturnamente por câmeras que prometem segurança, sem adivinhar o que pode acontecer do lado de fora daquele lugar.
Em minha casa minha esposa e eu não montamos uma árvore de Natal.
Preferimos, em comum acordo, transferir a que tínhamos guardada num baú de madeira clara, para a casa onde mora a nossa filha linda, nosso neto, parecido ao avô (pura pretensão minha), nosso genro doutor das vaidades, que tenta retardar o envelhecimento, se bem que por poucos anos, além de serviçais amistosas, as quais admiro sempre mais.
Foi ali que passamos a noite, no intervalo do dia vinte e quatro ao vinte e cinco.
Foi uma reunião em família, animada, com farta distribuição de presentes, quem mais levou vantagem não fui eu, velho que estou, embora ainda não me sinta, foi meu netinho querido de nome Theo.
Espero, com real ingenuidade, que a linda cueca que recebi de regalo de um dos meus filhos, o mais longevo, não se transforme, em breve, num fraldão para conter os excrementos que um dia irão me deixar avexado ao sair à rua desguarnecido de tal proteção.
A ceia aconteceu por volta de antes da meia noite.
Bebericamos de tudo um pouco: vinhos de ilibada procedência, água gelada para deixar a língua limpa para degustar o sabor da uva, além de comermos um cadinho de cada coisa servida com muito esmero por todas as fêmeas que participaram da efeméride.
Já com o sono me atormentando, acostumado a não passar das dez e meia da noite pra me recorrer ao leito, sentindo e pressentindo o cansaço dos anfitriões, Theo já se recolhera ao seu quartinho branco com aqueles olhinhos espertos observado a tudo e a todos, uma parte da família Abreu Lasmar se mandou para a nossa casa numa morada perto.
Acordei num dia lindo. Sol, céu azul, um calor sufocante ameaça fazer a terra suar na parte da tarde, tomara melhore a noite.
Acordei sem sentir na boca o sabor amargo da ressaca.
Bem disposto, confortável.
Deixei a minha Rosa linda entregue ao seu descanso merecido. Ela trabalha demais, mãe dedicada, zelosa com suas crias, como exemplo cito uma vaca morena, que, depois de mais de dez parturições, ainda não sai do curral sem antes ver como suas bezerras estão passando.
Fui caminhando, a passos lentos, deixando o aconchego do meu lar olhando-me as costas.
Paulatinamente admirei as casas envidraçadas da rua que me leva ao lado de fora do condomínio.
Em muitos interiores se podiam ver árvores de Natal ainda vivas.
Lindamente enfeitadas com bolas coloridas, envoltas em enfeites prateados, com as luzinhas desligadas, já que elas, aquelas luzes vagalúmicas, perderam a serventia na claridade da manhã.
Uma vez na portaria daquele logradouro único, seguro, rico em verde, cheio de amizades genuínas, de onde não desejo me mudar, tive a oportunidade de ler, em voz não muito gritante, naquela hora temprana não passava muita gente, uma crônica escrita no dia de ontem.
O Valdeci, a quem chamo de O Profeta, simpático e inteligente vigilante da portaria, a tudo aquilo escutou, sem soltar um pio.
Depois de a crônica passar adiante recebi outro presente de Papai Noel, além da cueca de boa marca que agora uso.
O Profeta, com olhos rasos d’água, comentou o meu texto explicitamente assim: “Doutor Paulo. São poucos os vis mortais que escrevem como o senhor”.
Neste momento interrompi-lhe a fala. Com a seguinte admoestação: “O Senhor está no céu, não me nomeie com o nome de Deus”.
E ele prosseguiu sua fala desse jeito: “Como você consegue tirar leite de pedra? Como é capaz de, de um simples fato, de um farfalhar de asas de um beija-flor, de um despetalar de uma flor, escrever textos longos como este que me leu”?
E concluiu: “Tomara um dia, que não seja tarde demais, alguém o ache, o encontre, lhe dê o devido valor”.
Após um aperto de ossos da mão, como o Valdeci Profeta está magro!, deixei o condomínio Jardim das Palmeiras pensando nas árvores de Natal em vias de serem desmontadas, desvestidas de suas luzes e bolas coloridas.
As árvores onde os presentes trazidos de longe pelos papais noéis nos quais acreditávamos, em tempos idos, eu ainda acredito, em breve estarão, esperando o ano vindouro, dentro de um baú como o de minha casa.
As árvores vão ser desvestidas dos seus enfeites. Cairão por terra as bolas coloridas. Os adornos que abraçam os galhos da árvore. As luzinhas piscantes ficarão apagadas. Até quando, não se sabe, sobretudo no meu caso, um Papai Noel envelhecido, não tão cansado como quando corri cinquenta quilômetros na estrada que liga Ijaci a Ibituruna. Mas ainda em forma para ver um dos meus netos felizes da vida, que sejam tantos quantos a mesma vida me fez presente.
Sei que as mesmas árvores serão desfeitas.
Mas, antes que o ano termine, desejo a todos vocês, de coração pleno de amor, mesmo que as árvores fiquem nuas, guardadas num espaço qualquer, todos os sonhos que foram sonhados, se tornem refeitos de esperança e de amor…