Meu vizinho do lado, Seu Antenor, acorda reclamando da vida.
O segundo, de nome Sebastião, sempre emburrado, reclama de tudo e de todos.
Tenho convivido com todos os tipos de pessoas. Umas são alegres e festivas. Já outras sempre estão de mal com a Vida.
No alto dos meus muitos anos tenho momentos de alegrias e tristezas. Creio que as alegrias preponderam. Embora os momentos de infelicidade me façam dar valor aqueles de puro regozijo.
Essa alternância de sentimentos faz parte de nosso viver. Imaginem se todos fossem alegres, afáveis e solidários? Como iríamos identificar em nós essas qualidades bastante infrequentes em nosso cotidiano?
O que confere colorido em nossas vidas é essa disparidade de pessoas. Umas não são iguais as outras. Da mesma forma que um dia não transcorre ensolarado como o segundo.
No momento presente me dou por satisfeito por tudo aquilo que conquistei. Não pelos bens materiais que ajuntei. E sim pela família sempre presente nos bons e maus momentos. Que suportam meus repentes de mau humor. Que toleram minhas maneiras de ser e conviver.
Dou-me por feliz pelos amigos que me rodeiam. Não são muitos, mas o bastante para continuar ajuntando amigos. Sou reconhecido nas ruas quando ando sempre. Por vezes desconhecidos me cumprimentam. E eu respondo cordialmente mesmo quando os desconheço.
Dou-me por satisfeito pelos anos todos dedicados a medicina. Esses cinquenta anos de graduado pretendo esticá-los por muitos anos mais.
Sou imensamente feliz pelo passado que me faz recordar de tantas coisas boas. As ruins renego ao esquecimento do olvido.
Encho meu peito de felicidade pela idade que alcancei. Sem mazelas maiores. Sem inimigos declarados. Sem ambições menores.
Sou feliz dentro da infelicidade que de vez em quando me domina. Ninguém é feliz por completo. Sempre falta alguma coisinha para nos dizer: “alegre-se. Nem sempre a tristeza enche o nosso coração por completo. Momentos de felicidade fazem com que ele não pare de bater”.
Sou feliz ao meu modo. De vez em quando passo por momentos de introspecção e apatia. Coisas e loisas de um poeta, que não pretendo ser.
Dou-me por satisfeito por esses meus setenta e cinco anos de vida. Pretendo, se me permitirem, encompridá-los por muitos anos mais.
Faz-me alegre ver meus filhos produtivos e emancipados. No entanto, se eles precisarem de mim, nunca irei recusar a oferecer minha mão amiga.
Seria muita pretensão de minha parte ver meus netos formados. Quando eles três tiverem seus mais de vinte anos, creio que, do outro lado, da vida estarei torcendo pelos seus sucessos.
Dou-me por mais que feliz pela inspiração que me acompanha. Pelos livros todos que ombreiam as minhas costas. E pelos outros que um dia irei concluir.
Sou extremamente feliz pelas horas em que aqui passei. Não pretendo encerrar a minha lida médica a não ser que uma doença incapacitante me jogue na cama. Ai sim, definitivamente me jubilarei.
Se disser que sou completamente feliz me equivoco. Mas me dou por satisfeito por todos que porventura lerem meus escritos, e disserem que os apreciou.
Não me dou por satisfeito sempre. Sempre falta alguma coisinha para minha completa satisfação.
Mas pra mim basta muito pouco. Dentro do pouco que pra mim é muito.