Pro meu vizinho do andar de cima coisa boa é sair bem cedinho pedalando sem rumo pelas estradas. E voltar a casa encontrando sua família a esperar. Com aquele afetuoso abraço de boas vindas. E ver suas menininhas todas prontas a irem à escola. Com um beijinho açucarado a lhe dar.
Pra mim coisa boa é saltar da cama bem cedinho. E aqui chegar bem de mansinho. Dar ração aos meus peixinhos. Tomar um cafezinho expresso feito na hora. Ligar meu computador e esperar até que o Word mostre a cara. E desovar tudo que me vai por dentro. Retratando toda a inspiração que me cavouca as entranhas. É tamanha a inspiração que aflora dentro do meu eu que não dou conta de tantas crônicas que nascem.
Pra mim coisa boa é esperar o sábado que chega. Quando me desvisto das minhas vestes costumeiras. Visto uma bermuda bem surrada. Nos pés um par de tênis que descansa na prateleira. Faço-me acompanhar de minha amada esposa. E nos encaminhamos a minha rocinha antes prejuizenta.
Outra coisa boa pra mim é ver chegar o fim da tarde. E caminhando sempre ir até aquele clube naquela rua que daqui se avista a mão esquerda. Rua essa intimamente ligada ao meu passado. Onde passei minha infância ao lado dos meus pais. Na intenção de malhar naquela academia. Para depois piscinar nas águas tépidas daquela piscina.
Coisa boa pra mim é ver chegar a noite. Bem curtinha a espera da manhã que se avizinha. E de novo saltar da cama. Refazer tudo que foi feito no dia anterior. A espera do dia seguinte.
Coisas boas infelizmente se acompanham de coisas ruins. Mas como diferenciar uma das outras. É preciso conviver com o pior para aprender o que seja melhor.
Mas pra ele, meu amigo da prateleira bem do alto, cujo nome é Chico Só. Pois, segundo suas idéias soi ele lhe basta. Já que vive isolado numa rocinha erma. Mas por ser gente boa apelidei-o de Chico Coisa Boa.
Pra ela azar é festa. Nunca o vi amuado, ensimesmado, pensando no pior. [
Chico Coisa Boa arreganha o semblante mesmo quando o sol escancara o sorriso.
Quando as nuvens se acinzentam o velho Chico não perde o bom humor.
Ele não se queixa quando as coisas não vão conforme seu desejo. E nem se lixa quando a enxada perde o fio.
Pra ele coisas boas são quaisqueres que na sua vidinha descomplicada acontecem. Já as menos ruins não lhe apoquentam as ideias.
Pro Chico tanto faz, quanto se desfez, se a enxurrada escorre pra riba ou pro andar de baixo. Ele diz que não sente falta de nadica de nadinha. Pois vive sozinho naquela rocinha erma.
Não sente falta de amigos. Pois não os têm. Não sente frio, pois se aquece num cobertor de orelha quentinho, diz elezinho. De vez em quando lhe faz companhia a tal Benedita. Uma rapariga mais rodada de pneu de caminhão careca. Seus dois cães são o que lhe sobra pra ser feliz. “Bons companheiros” diz ele, com aquele sorrisão desdentado.
Coisas boas não lhe faltam. Se vai a missa não se confessa. Já que tem pecados cabeludos de fazer ruborizar a mais recatada beata.
Chico coisiquinha pra lá de boa diz não ter defeitos. E se os tem guarda pra si mesmo.
Não se queixa da solidão. Isola-se segundo sua crença. Por vontade própria vive com ele mesmo. Não abre mão dos seus estimados cães.
Um dia a ele perguntei: “Chico, você não tem amigos? Não lhe falta companhia”?
Ele desanuviou a cara. Ergueu os sobrolhos. Arreganhou os dois olhinhos azuis e me respondeu: “pra quê se estou bem assim? Coisa boa pra mim é contar as estrelas durante a noite. Caçar vagalumes na escuridão. Assar milho verde nas brasas do fogão a lenha. Pescar na minha lagoa quando fora da piracema. E quando tenho de trabalhar quem me ajuda? Só eu mesmo. Coisa boa pra mim é não depender dos outros. Sou eu quem faço a comida. Lavo minhas roupas. Quando chega a noite e o sono não vem leio um bom livro. E dispenso a televisão. Coisa boa pra mim se chama bem estar e sempre estou de bem comigo mesmo. Dane-se quem pensa o contrário”.
Dai o apelido que o rebatizei. Chico Coisa Boa. Quer coisa melhor? Se tiverem me contem.