A decadência de dona Mariquinha

Todos chegaremos lá. A esse estado de degradação; que se aproxima do fim ou da ruína. Quando estamos começando a fraquejar. Perdendo as forças progressivamente. Prestes a chegarmos ao final do caminho. Não sei se existe outro do outro lado da vida. Essa coisa linda que aprendemos a conhecer ao nascimento.

Como evitar ou contornar o envelhecimento não se sabe ainda bem de qual maneira.

Talvez possamos alongar nossa vida com o exercitar continuo. Viver no presente como se ele não fosse o último degrau de nossa caminhada. Andando sempre. Atualizando nosso conhecimento num aprendizado continuo. Brincando na rua, de pés descalços, como se fossemos meninos.

Ai talvez pudéssemos retardar nossa decadência. Não nos olharmos no espelho procurando sinais inequívocos de que a velhice chegou. Não tentando nos desvencilhar daqueles lindos cabelos brancos. Não procurar rugas ou pés de galinha.  Evitando sempre dizer a nós mesmos: “não se apoquente. A idade chega como um presente. Muitos não têm o privilegio de chegar aos anos que você chegou e param no meio do caminho.”

Não se aposente nunca. Persista no trabalho. Mesmo que na sua atividade outros tentem ocupar o seu lugar.

Não pense que a juventude dura ad eternum. Os anos passam. Chegamos a uma idade em que os privilégios deveriam ser levados a sério. Mas nem sempre nos permitem assentar no ônibus naqueles lugares a nós destinados. Muitos ignoram e nos deixam de pé ate o final da viagem. E nem ao menos nos ajudam durante a nossa travessia naquela avenida de muito movimento.

Se não tens mais aptidão para exercer qualquer atividade mude de objetivo. Leia, aculture-se. Caminhe homem. Graças às pernas fiquei de bem comigo.

Assim talvez retarde a decadência que um dia vem. E ela chega. Não se sabe quando.

O final dos tempos logo se anunciam. Sem data ou hora de mostrar qual dia vai ser. Mas esteja preparado para enfrentar um novo caminho. Rumo a onde? Não se sabe ao certo.

Dona Mariquinha. Doninha espevitada. Que não tinha parança nos tempos quando a conheci.

Sempre com ela cruzava pelas ruas de ótimo humor. Parávamos uns minutinhos numa prosa boa.

Pela idade que ela mostrava na sua carteira de identidade mais parecia bons anos a menos. Quem diria que ela tinha quase noventa?

Sua cabeleira, ainda de uma negritude de pensar numa jabuticaba madura em ponto de chupar no pé. Sua pele lisinha como pêssego prestes a madurar. Seu caminhar ereto sem se curvar ao tempo. Seus olhinhos claros sem aquela cortina que nos embaça a visão. Seu sorriso encantador sem faltar um dentinho sequer. Dona mariquinha não perdia o viço da juventude nos seus incontáveis anos.

O tempo passava e elazinha nem mostrava sinais de envelhecimento. Era como uma flor ainda em botão.

Mas ninguém fica imune ao passar dos anos.

Não existe como não colher anos. Nem ao menos desenganos.

Foi no dia de ontem que a vi. Estava uma terça feira de céu plúmbeo. Parece que iria chover no mais tardar do dia.

Demos de encontro numa esquina perto de nossas casas.

Mal reconheci dona Mariquinha. Cadê aquela pele viçosa? Aquele olhar expressivo? Aquele caminhar lépido como o farfalhar de asas de um beija flor?

Ela caminhava manquitola. Mal conseguindo se equilibrar naquele andador.

Parei-a no meio da calçada. Ela se mantinha calada. Não sei se me escutava.

“Dona Mariquinha. O que aconteceu com a senhora? Nem parece aquela que vi no mês passado. Parece outra pessoa. A sua jovialidade desapareceu. Algum problema de saúde? Precisa de ajuda”?

Ela, num respiro profundo. Mal conseguindo articular palavras me respondeu quase monossilabicamente: “ah! Meu filho. Entrei em decadência, pois deixei de trabalhar. Agora mal consigo ver passar o tempo. A aposentadoria total fez um mal danado a mim. Mal consigo caminhar”.

Deveras, pura verdade. Retarde sua decadência tentando fazer quase tudo que fazia antes. O trabalho revigora. Acende a chama antes de ela apagar de vez.

 

 

 

Deixe uma resposta