Dizem que a gente vale o quando pesamos.
Assim quem é obeso deveria valer o dobro. Mas nem sempre isso se trata de mais valia.
Gordo, via de regra, morre mais cedo. Conquanto aquele, que cuida da silhueta, mantém-se fininho, com a cinturinha de viola, permanece aqui na terra mais anos. Mesmo a mercê dos desenganos que a vida lhe oferece numa bandeja de prata.
Todos temos o nosso prazo de validade. Alguns extrapolam o tempo de vida atingindo muitos anos vida afora. Já outros mal atingem a maior idade. E ainda criancinhas sucumbem às intempéries. Nesses tempos chuvosos por que temos atravessado.
Creio, dentro da minha descrença, que meu tempo de validade ainda se mostra distante desse começo de ano. Ainda me sinto jovem. Não na flor da idade que prestes se murchou.
Estou na plenitude máxima da minha clarividência. Com pernas boas para caminhar distâncias infinitas. Graças a elas fiquei de bem comigo. Não seria uma gripinha de nada que vai me jogar na cama. E nem uma doencinha marota que vai me levar ao hospital.
O amor ainda o tenho pra dar. A saúde não me falta. O fôlego me permite mergulhar dentro de mim mesmo. Observar, distinguir entre o certo e o errado. E quando percebo o logro retrocedo. E enveredo-me pelo caminho por onde me ensinaram meus pais.
Já aquele senhor. Já bem andado em anos. De nome Seu Joaquim. Prestes a completar noventa. Mantém-se rijo como cerne da amoreira.
Nunca o vi alquebrado. Manquitola ou descrente da vida. Ele se mantém ereto mesmo se a sua coluna reclame. Enxerga mesmo na escuridão. E não se ilude quando o chamam de mocinho. E diz, com seu sorrisão desdentado: “ah! Besteira. Já passei da idade do ouvir sandices. Estou ciente da minha idade. Já passei da idade de pensar no futuro. Estou na prorrogação do segundo tempo. Já se foi o tempo de jogar peladas naquele campinho cambeta. Agora prefiro jogar de calção para encobrir minha nudez. Já que as partes baixas não sobem mais. Mal têm serventia para urinar em jatinhos miudinhos”.
Na consulta que ele me fez, naquele dezembro último. Aqui chegou à hora que costumava deixar minha oficina de trabalho. Sem ter marcado hora nem dia. Não tive como não atendê-lo.
Ele veio por conta própria. Sem acompanhante ou mal acompanhado. E nem me disse qual seria o plano de saúde a ser cobrado.
Simplesmente entrou sem ser anunciado.
Quando a ele perguntei o que o havia trazido aqui foi essa a resposta meio malcriada: “vim de carona com o Tonhão meu vizinho”. Foi só.
Seu Joaquim enviuvou recentemente. Não deixou filhos nem descendentes diretos. Se houve alguém que se manifeste nessa hora ou se cale para sempre.
Mas, não era gente homem que vivesse só. Seu Joaquim carecia premente de se juntar a um rabo de saia. Desde que tivesse uma mulher dentro.
“Morar naquela casa, sem companhia, jamais. Mal sei lavar. Cozinhar nem pensar. Passar minha roupa não sei fazer. Dormir sozinho, Deus me acuda”.
Foi quando perguntei a ele o motivo da consulta. Se era por falta de desejo ou por não conseguir mais empinar a pipa.
Seu Joaquim, com aquele ar de troça, me pediu, por favor: “guarda segredo”.
E continuou os seus queixumes.
“Desde quando fiquei viúvo não tive mais mulher na minha vida. Nem antes na cama com a Dorotéia fazíamos mais amor. Desejo nois tinha. Mas cadê a subida do balão? Agora, com meu prazo de validade vencido só quero companhia. Dividir as cobertas com alguém nos tempos de frio. Ou simplesmente tomar banho juntos para ensaboar um ao outro. Só isso me basta para viver mais alguns anos”.
Seu Joaquim me deixou pensando na vida. Qual seria meu prazo de validade?
Se é pra continuar escrevendo pra toda eternidade.
Se pra viver para sempre não desejo ficar pra semente.
Se pra continuar casado que seja desde que nossa união persista enquanto as discórdias não forem maiores que as benquerenças.
Que meu prazo de validade não se alongue tanto. Desde que a saúde não me abandone desejo ficar aqui para sempre.