Não se pode fugir da realidade do envelhecimento.
Ganhar anos a cada ano. Assoprar velinhas quando ainda criança.
Esperar afoitamente a chegada de Papai Noel. Não ver a hora de procurar presentes debaixo da árvore de natal. Tudo isso se foi. Já que não mais somos crianças. Doce infância perdida do galgar do tempo. Já que ainda não criaram uma vacina contra o envelhecimento. Seria de bom alvitre a tal?
Por vezes me indago ao olhar no espelho.
Pra onde foram aquelas melenas topetudas. Aquele sorrisinho um mil e um. E aquele dentinho de leite que minha mãezinha guardou com tanto carinho?
Ainda me questiono. Onde estará guardado meu diploma do curso primário? Minha calça curta feita com um naco de pano do terno do meu avozinho? E meu cãozinho de nome Rebel? Aquele mesmo que, ao me defender, ainda menino, da investida de um canzarrão. Acabou perdendo a vida naquela briga de rua nos arrabaldes da minha casa. E foi sepultado, se bem me lembro, num lote nos fundos da minha morada. Tendo uma cruz com seu nome gravado fincada num monte de pedras.
Uma vez de mais idade. Ainda a procura dos meus objetivos. Sonhando sempre de olhos abertos. Enveredei-me pelo caminho da medicina. Que me seduz até os dias de hoje. E eu a compartilho bem de perto com a literatura. Já que a lida com as palavras sempre foi minha preferida.
Ganhei anos. Acumularam-se desventuras. Só tenho a agradecer por ainda ter saúde a emprestar aos outros.
Perdi tempo. Precioso ao me injuriar com coisas e loisas sem valor. E ganhei experiência no acumular dos anos.
Dantes me apoquentava com qualquer coisa. Agora tanto faz se as águas correm pra baixo ou pra qualquer lugar.
Ganhei uma calva quase luzidia. Perdi meus cabelos castanhos que me deram tanto trabalho em ajeitá-los usando o secador.
Perdi tempo a procura de não sei o quê. Agora já sei que nada importa senão buscar a felicidade; embora não a encontre onde ela se esconde.
Ganhei peso. Procuro perder um cadinho dele na sala de ginástica.
Sei que perdi tempo em discussões infrutíferas. Agora me calo quando ouço baboseiras.
Com a idade aprendi a dizer não. Mas o sim teima em sair de mim quando meus netinhos me pedem alguma coisa.
Ganhei rugas na face. Mas elas representam o tempo que aqui passei. E ainda passarei.
Não perdi a vontade de dizer eu te amo. Um amor diferente de quando jovem. Já que quando envelhecemos esse amor muda. Amadurece, mas não apodrece.
Perdi cabelos no travesseiro. Mas não procuro os fios, pois eles não vão grudar de novo onde se soltaram.
Perdi tempo. Mas creio que o tempo que me resta vai ser vivido em plenitude máxima. Sem me preocupar com o que passou. Vivendo o momento presente como um presente de aniversário que ganhei quando ainda molequinho. Brincando de pés descalços na enxurrada naquela rua que daqui se mostra a mão esquerda.
Bem sei que ganhei maior idade. Perdi a vaidade. Sinto-me pleno e rejuvenescido ao me olhar no espelho. Pois não procuro rugas nem cabelos brancos. Pois me olho sim pra dentro de mim mesmo.
Ganhei, com o envelhecer, melhores amizades. Ao me assentar num banco da praça acercam-se de mim verdadeiros amigos. Sei ainda que os jovens se vão. Da mesma forma que o vento se vai. Mas a ventania do tempo assopra em mim boas lembranças. Dos tempos da minha infância que os anos não trazem mais.
Se me perguntarem se. Entre perdas e ganhos. Qual deles foi o vencedor ao envelhecer. Indago-me, pensando justamente no tempo que passei. Nesses meus setenta e cinco anos colhidos em dezembro perto.
Não tenho dúvidas em responder. Com a idade chegando ganhei muito. Ainda não perdi a consciência ou a clarividência. Estou como era dantes. Ou ainda melhor. Pena que o espelho pode retrucar? “Olhe-se pra mim! Vês se te enxerga veinho. Cuidado ao andar na rua. Ao caminhar não dispensa o andador”.
De fato, ao chegar a minha idade, tenho de me acautelar comigo mesmo. Se não, ai de mim, doutor escritor.