O reveillon do Zé Besteira

“Folga eu”?

Foi com essa exclamação de desagravo que Zé Besteira acordou no último dia de ano.

Férias nem se lembra mais quando foram as últimas.

Descanso não fazia parte do seu vocabulário. Que de tão resumido umas quase cem eram suficientes.

Nascido e criado naquele final de mundo. Em dezembro quase findo completava sessenta e um cadinho. E esse cadinho beirava setenta. Mal sabia ele como seria o tal de reveillon.

Zé Besteira passava de um ano pra outro admirando as estrelas. Sabia de cor nomear cada uma delas. Estrela Dalva era a sua predileta. Cruzeiro do sul outra de seu agrado.

Naquele ano que recém termina Zé foi convidado para conhecer as maravilhas da cidade maravilhosa. Nunca havia provado se a água do mar era de fato salgada. Só de ouvir falar.

Foi um tio torto que fez a ele o convite.

“Será pra mim mesmo”? Questionou a si mesmo.

Mas a missiva não deixava dúvidas já que ela dizia assim: “oi Zé. Quem lhe escreve é seu tio Firmino. Que mora aqui no Rio de Janeiro. De repente enviuvei. Moro num apartamento em Copacabana. Nesse mês de dezembro me lembrei de você. Não quer passar o final de ano comigo? Venha logo. Espero por você.”

Zé besteira mal acreditava no que seus olhos liam. Era ele mesmo.

Mas como deixar sua amada rocinha para Deus olhar. Bem sabia que Ele sempre estava de olhos abertos abençoando-o. Mas pedir que Ele, em pessoa, ficasse aqui, seria demais.

Naquela noite mal conseguiu pregar os olhos. Passou a noite em claro mesmo na escuridão.

A resposta veio num telegrama: “vou sim tio. Pego o busão amanhã cedo.”

Dito e mal feito.

Zé chegou à rodoviária da cidade próxima pontualmente as cinco e meia. A condução deveria sair as sete em ponto.  Sem vírgula.

Comprou a passagem. Escolheu o lugar de número vinte e seis. Na janela do lado direito. Bem explicado.

Mas na hora H não foi bem isso o acontecido. O infeliz foi justamente no lugar mais próximo do final do ônibus. Nas vizinhanças do banheiro. De onde exalava uma fedentina tipo gambá morto há muitos dias sem ter sido sepultado.

E agora Zé? Voltar ou dar marcha à ré?

Não tinha como retroceder. Foi até o final da linha. Aos trancos e broncas antes que o jogassem fora do ônibus lá se foi o Zé.

Numa parada para o almoço afanaram-lhe a carteira. Os parcos caraminguados que possuía nem isso tinha mais.

Enfim a cidade maravilhosa.  Era mais linda que imaginava. Algo surreal.

Apeou na rodoviária com o pé direito. Depois pisou com o outro.

Que fome ele sentia. Mas grana não tinha mais.

Como não tinha celular apelou para um orelhão. Mas como usar se não tinha ficha?

Dali à Copacabana era uma distância enorme. Uma lonjura de fazer tanajura perder a bunda.

Mesmo assim se atreveu a ir.

“Vou perguntando aqui e acolá. Quem tem boca vai ao longe”.

Atravessou túneis.  Andou por ruas e avenidas.  Até chegar à zona sul.

Enfim Copacabana, a princesinha do mar. Não teve como não dizer, embasbacado: “oia que trem lindo! Um rio cheio de ondas. Será que dá pé”?

Zé fechou os olhos e caiu no mar. Veio uma onda enorme que quase o fez ver o fundo do mar. foi salvo por um banhista que se dizia mineiro. Mais um safado aproveitador que só não lhe roubou nada, pois nada mais possuía.

Só tinha a roupa do corpo mesmo assim molhadinha.

Por sorte, ou seria azar, naquela hora de aflição passou um camburão.

Não é que confundiram o pobre Zé com um trombadinha?

Meteram-lhe no xilindró.  Onde ele viu o sol nascer quadrado e a lua redondinha.

Dezembro se foi. O ano novo nem deixou rastro. Se deixou foi de tristeza.

Zé Besteira nem pôde de assistir ao tal reveillon.

Soltaram-no dia primeiro de janeiro. Sem ver o tio. Sem ver os fogos de artifício. Sem ver nada de nada.

E ainda por cima, sob a borduna do guarda, ainda teve de agradecer a hospedagem.

Ao chegar a sua rocinha se vangloriava todo: “viram! Passei o reveillon no Rio de Janeiro. Num hotel cinco estrelas. E ainda por cima não paguei nadica de nada”.

 

 

 

 

 

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