Ano novo, sem novidades

Geralmente, desejamos, à passagem de ano. Que esse ano recém despontado nos traga bem querenças e boas novas.

Mas nem sempre isso acontece.

Para aquele homem. De maior idade. A vida nunca lhe trouxe maiores novidades.

Tudo pra ele sempre foi um marasmo. Do trabalho pra casa era sua rotina. Sempre enfadonha, dizia.

Seu Joaquim era um trabalhador contumaz e consumido pelas lidas diárias.

Nunca lhe sobrou um tempinho sequer para se dar ao luxo de um desfrute.

Era funcionário de uma metalúrgica nas cercanias de São Paulo.

Para chegar ao trabalho tomava uma infinidade de conduções.  Acordava ao tilintar do despertador. E nem se dava ao luxo de um banho morno. Em sua casinha modesta quase sempre faltava água. Não por falta de pagamento. E sim por desleixo da companhia mantenedora dos serviços de água e esgoto.

Antes das quatro da madrugada já se punha de pé. Lavava a cara sonolenta. Vestia o velho uniforme em trapos. Penteava o que restava dos parcos cabelos. Tomava um cafezinho magro feito de véspera. Nem pão ou broa ele tinha.

Antes das cinco já estava no ponto da lotação. Morava distante léguas da fábrica de autopeças onde, em mais de vinte anos de serviço, nunca faltou um dia sequer. Era um trabalhador exemplar. Exemplo a ser seguido pelas futuras gerações.

Naquele dia malogrado uma chuva sem tréguas caía desde a semana passada. Ruas alagadas, bocas de lobo entupidas. Não precisa dizer que o ônibus nesse dia não apareceu. A chuva impedia qualquer deslocamento dada à água que alagava todo entorno.

Seu Joaquim pensou em ir andando. Não era de seu costume faltar ao trabalho. Afinal quase uma vida inteira foi essa sua rotina. Da fábrica pra casa.  Sem tempo para pensar em si mesmo. Sem tempo para procurar a felicidade. Vivendo na mesma rotina desde quando entende-se por gente.

Seria uma caminhada de muitas léguas. Seu relógio mostrava cinco minutos para as cinco da manhã. A chuva caía sem parar. O céu cinzento nada de azular.

E ele ia. Tentando driblar a inclemência do tempo. Pulando poças d’água. Arregaçando a barra da calça para não ensopar.

Foi uma caminhada que durou mais de cinco longas horas. Foi um dos últimos a chegar ao trabalho. Foi, pela primeira vez, repreendido pelo gerente da firma. Que não só o ameaçou de cortar-lhe o dia inteiro. Como também impediu-lhe a folga do final de ano.

Mas Seu Joaquim já estava acostumado a ser tratado daquele jeito. Não seria mais um que iria tirar-lhe o bom humor costumeiro. Simplesmente sorriu e se desculpou.

Foi um dia exaustivo de trabalho. Sempre ele a fazer as peças. Encaixotá-las e encaminhá-las ao destinatário.

Aquele dia terminou a mesma hora de sempre. De volta à casa a chuva continuava a cair.

A condução atrasou mais de duas horas. O retorno pra casa foi andando como da vinda.

Já era tarde, quase noite. A escuridão dominava o ambiente.

Não bastasse tamanho infortúnio ainda faltou luz na sua casinha modesta. Tomar banho só frio. Dormiu um sono profundo. Acordou no ano novo sentindo-se refeito das agruras por que tinha passado.

Foi quando se lembrou que tinha de voltar ao serviço no primeiro dia do ano. Folga, nem pensar.

De novo o caminho da fábrica foi feito pelas próprias pernas. A chuva continuava. Naquele feriado só ele foi trabalhar.

Foi quando nos encontramos. No meio do caminho.

Interpelei-o com essas palavras.

“E ai Seu Joaquim? Como foi de passagem de ano”?

E ele me respondeu num piscar de olhos, pois estava apressado para chegar ao trabalho.

“Ah! Pra mim ano novo sempre foi como esse. Sem novidades”.

 

 

 

 

 

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