Quem ainda não teve contrariedades na vida; por certo não viveu.
Quem não teve uma dorzinha de cabeça deve ser mula sem cabeça.
Aquele que nunca padeceu de mal de amor, sem dúvida não amou de verdade.
Quem não teve dúvidas sobre qualquer coisa não pensa, rumina.
Quem não padece de torcicolo por certo nunca dormiu de mau jeito.
Quem não chora não mama. Sábio ditado. Nesses tempos bicudos, com a inflação em alta, pechinchar não faz mal a ninguém. Experimente discutir com um feirante o preço salgado do tomate. Com certeza, sem muitas delongas, ele vai abaixar.
E quem nunca teve um desafeto na vida. Se existe esse alguém. Ele por certo vive isolado numa ilha. Tendo por companhia apenas coqueiros e tubarões a nadar.
Já tive dor na cacunda. Foi por causa de um esforço exagerado. Fizeram-me de cavalo. Aqueles peõzinhos endiabrados, meus netinhos, numa brincadeirinha pra eles ingênua. Pra mim não tanto. Depois de uma hora inteira, pensando em me levantar. Quem disse que consegui? Foi preciso o auxilio de um guincho. Passei dias corridos sem poder me levantar. Até hoje me dói a cacunda. Uma dorzinha funda que se esparrama até mais embaixo. Para não dizer um nome feio, começado por b de bola.
Já tive quase de tudo na vida. Até mesmo dor de barriga que me fez correr ao banheiro. Mas naquele lugar ermo não havia como desaguar meu intestino. Só me restou o mato cheio de carrapatinhos. Os tais micuins até hoje me lembram os calombos vermelhos que marcaram minhas partes baixas. E como coçam as tais picadas. Coçar e pensar é só começar.
Como profissional da saúde tenho vivido às turras com as doenças. Levo cada surra delas que vocês nem imaginam. É cada um que aparece por aqui. Cada consulta desenxabida. Umas perguntas que nem merecem respostas. Que penso em mudar de profissão.
Um dia chegou por aqui um rapazola que queria por que queria fazer um exame de próstata. Imaginem qual a sua idade? Ele nem havia passado da puberdade. Era ainda um menor impúbere com a carinha salpicada de acne. Quando lhe disse que esperasse um cadinho mais ele se levantou da cadeira defronte a minha e disse contrariado: “doutor. A sua opinião não me basta. Essa é a quinta consulta que fiz na semana. Todos disseram a mesma coisa”.
Tive vontade de mandar aquele rapaz para os quinto dos infernos. Contive-me. Cala-te boca para viver mais.
Estúrdia por aqui passou uma jovem na melhor idade. Que saudade daquela idade tão bonita!
A razão da sua consulta era simplesmente essa. Ela não queria engravidar. Queria que eu lhe prescrevesse uma pílula contraceptiva. Que não era do meu receituário. Quando a encaminhei ao ginecologista ela fechou a cara linda. Deixou a minha sala falando pelas aobrancelhas, mal de mim. Fazer o quê? Ossos do oficio. Me deu vontade de fechar o consultório. Fica pra outro dia.
Já tive pacientes que me fizeram rir da própria desgraça minha. A urologia é uma especialidade especial. Mete o dedo em lugares indesejáveis. Dizem alguns que é apenas um lugar de saída e não de entrada. Mas mesmo assim me atrevo. Uns me mandam um buquê de flores depois da consulta. Outros olham o tamanho do meu dedo enxerido antes de se submeter ao tal exame. Fazer o quê? Mudar pra outra especialidade? Nessa altura do campeonato penso ser tarde demais.
Já tive contrariedade em minha lida diuturna. Uma vez marcada uma operação de fimose. Era um meninozinho irrequieto que não parava na mesa. E eu, atazanado sem poder contar com um anestesista na sala. Apenas contando historinhas. Ele, ainda bem sem a presença inoportuna da mãe. Comportou-se como um fidalgo. Após a operação fui chutado no saco e como doeu. E elezinho ainda me disse, entre dentes: “doutor. Não doeu nadinha de nada”. E saiu da sala cirúrgica dizendo a sua mãe impropérios sobre mim.
Naquela bendita hora tive ganas de cobrar mais do dobro do preço que havia cobrado.
Outro dia tive um paciente impaciente que não queria esperar a sua vez de entrar na minha sala. Do lado de fora escutei aquela balbúrdia. Minha secretária, pacienciosamente, suplicou a ele que aguardasse. Mas nada de educação. Que se aprende em casa quando jovenzinho. O tal adentrou em meus domínios com cara de leão faminto. Contei até mais de um milhão até dizer a ele: “estou de saída. Volte noutro dia.”
Pra gáudio meu ele não voltou.
Já tive mil e um desejos de mudar de profissão.
Que tal ser escritor somente? Gostaria de saber as suas opiniões.