A solidão por vezez incomoda. No entanto bem menos que um amontoado de pessoas pelas ruas na azáfama de final de ano.
De vez em quando me isolo. Bem cedinho ainda. Aqui no meu refúgio. Tentando deixar voar a inspiração que me atormenta.
Maldita pontualidade. Sempre a mesma hora. Quando a maioria dorme. Deixo meu apartamento no momento exato que o relógio mostra cinco e meia. Nem mais nem a metade.
Sou refém das horas. Faço tudo à mercê dos ponteiros do relógio.
Quando sozinho me encontro. Nestes desencontros pela vida me acho.
Não que seja avesso às verdadeiras amizades. Mas elas se mostram tão rarefeitas como o ar que respiramos. Dai a minha compulsão em ficar sozinho.
Prefiro a solidão do campo à balbúrdia das cidades. Mesmo se as maritacas alvoroçadas gritam na copa das árvores. Ou até mesmo se as vacas mugem de saudade de seus bezerrinhos famintos, que depois da ordenha ficam apartados de suas mães.
Estar comigo mesmo me inspira e me faz transpirar quando escrevo. Textos saem atabalhoados desse meu computador sofredor.
Antes só do que mal acompanhado. Verdade irrefutável.
Quando não nos damos com alguém melhor não se dar as mãos.
Assim vive e convive com a solidão meu amigo de longa data de nome Zé Peleja.
Não é seu verdadeiro nome. Fui eu quem o epitetou assim.
Ele foi batizado como José Feliciano da Silva e qualquer coisa.
Mas sua graça era por demais complicada. E por desgraça apelidaram-no desse modo.
Zé passou metade de sua vida solitário somente ele. Aprendeu tudo que precisava. Cozinhava melhor que sua finada mãezinha. Que Deus levou aos céus no ano passado.
Sabia lavar suas roupas melhor que o tanquinho que nunca foi usado. E como passador não fazia feio.
Zé Peleja vivia numa peleja danada. Era ele quem tirava leite das vacas. Enchia os cochos de silagem de milho recém colhido. Plantava não só bananeira como feijão na safrinha. Carpia mato antes que o pasto se transformasse num sarandi fechado.
Zé aprendeu a viver na solidão.
Até que um dia. Malsinado dia.
Apareceu na sua rocinha uma tal de Margarida. E como era formosa a fulana. Dona de um traseiro arrebitado. Uma bocona de fazer corar um batom inteiro. Pernas para serem cobiçadas. Uma cabeleira preta como asa da graúna. E o melhor de tudo isso. Margarida se disse virgem não no signo. E sim por não ter deixado se desvirginar. Não por vontade e sim por pura castidade.
Ela, oferecida se ofereceu para lhe fazer companhia. Nada contra. Pensou o Zé.
Ele vivia com ele mesmo. Sem mulher para se coçar. Sem homem para lhe azedar os dias. Sem companhia aprendeu a viver e conviver com ele mesmo. Mas não abria a mão daquele cãozinho pretinho Ao qual deu o nome de Pedrinho.
No que apareceu a Margarida Zé não relutou em lhe dar abrigo. Abriu a ela não somente as portas de sua casa como também do seu coração.
No começo tudo eram flores sem espinhos. Viviam em eterna lua de mel até quando essa se transformou em fel.
Ao final de uma semana Margarida mostrou que de virgem nem no signo era. Mais penetrada que faca afiada nas mãos hábeis de um açougueiro destrinchando porco no matadouro.
Ela era mais rodada que pneu de caminhão careca na chegada de uma viagem pelo Brasil inteiro.
E ainda por cima era uma gastadora de usar cartão de crédito que na fatura mostrava mais de dez mil. E a danada ainda roncava e soltava flatus depois da janta.
Foi-se um ano. Sobreveio outro.
Zé Peleja não aguentava mais os maus bofes da mulher.
Como tinha uma paciência de fazer Jó se virar na tumba aguentou tudo caladinho.
“Mas chifre não!”.
Aquilo foi a gota d’água que entornou o caldo.
Margarida não só foi infiel como a ele enfeitava a cabeça com o motorista do caminhão leiteiro. Com o padeiro da esquina. E inté até, diziam as más línguas, com o fulano e o cicrano.
Não parava na sua cama. Mas nas camas alheias deixava sua marca de mulher rameira. Que deveras era.
Naquela manhã ensolarada de uma terca feira passei pela rocinha do Zé Peleja.
Encontrei-o rindo de orelha a outra orelha. Exibindo os dentes siso que não mais tinha.
“Por causo de quê essa alegria toda”? Fiz questão de saber.
Zé me respondeu num muxoxo chocho.
“Ah! Descobri-me uma descoberta. Vivo melhor só. Não fui feito para dividir uma cama. Ainda mais com alguém do tipo da Margarida. Vivo melhor com meu Pretinho. Antes só que mal ajambrado”.
Tá certo; pensei comigo mesmo.