Nem sempre querer enseja poder.
Por vezes desejamos alguma coisa. Mas essa coisa foge do nosso querer.
Eu queria tanto crescer. Mas o tempo foi ingrato para comigo. Não cresci tanto quanto desejava.
Na minha tenra infância queria tanto ganhar, no Natal que se avizinhava, uma bicicletinha de rodinhas amarelas. Mas em seu lugar, debaixo daquele pinheirinho todo enfeitado de luzinhas piscantes, acabei desembrulhando, todo curioso, um caminhãozinho de bombeiro vermelhinho. Que em absoluto não me desagradou. No natal vindouro acabei por ganhar aquela desejada bicicleta. Que me deu de presente alguns galos na testa. Que foram desinchados por um beijo açucarado de minha mãezinha.
Ainda jovenzinho desejei ganhar aquela linda mocinha pudica. Mas elazinha não me deu bola. Desdenhou dos meus anseios. Mas com o tempo passando pude ver que não seria ela minha companheira. E sim essa que dorme ao meu lado.
Uma vez adulto feito desejei ganhar um montão de dinheiro. Só agora, na aurora da minha vida, pude constatar que muito dinheiro não traz felicidade. Mas ajuda muito.
Já na idade em que me encontro. Dobrando a serra em plena descida. Desejo apenas um cadiquinho de coisas.
Que viva alguns anos mais. Desde que a saúde não me abandone. Que tenha fôlego para suportar as diabruras dos meus netinhos. Que fazem de minhas costas um cavalo mansinho. Que não façam troça de mim quando disser que não sei manusear seus tablets naqueles joguinhos que pra mim são bichinhos de sete cabeças.
Quero envelhecer sendo respeitado por aqueles que vieram no meu rastro. Não desejo mesuras e rapapés. E sim um cadinho de respeito pelos meus ensinamentos. Pelas rugas que dançam em minha face. Como também pelos anos que vivi.
Quero envelhecer sem que seja um peso morto aos que me circundam. Sendo ainda útil aos que vivem ao meu lado. Numa paixão imorredoura pela vida a olhar o vôo dos pássaros. O colorido das flores. O afagar carinhoso de um cãozinho abandonado por uma criança numa rua qualquer.
Desejo envelhecer sem ser considerado velho. Já que tantas coisas boas semeei. Já que tantos exemplos deixei. Bem sei que um dia a morte vem. Mas bons exemplos permanecem.
Quero envelhecer sem inspirar sofrimento. Que meus últimos dias sejam vividos em plena e total alegria. Que morra dormindo em saúde perfeita.
Desejo ficar velho sem ser tido como um sapato velho e furado na sola. Que meu destino não seja o lixo. E sim um lugar lindo exalando um perfume foral.
Quero envelhecer sem causar piedade ou comiseração. Não quero ficar assentado num banco de uma pracinha a ser desdenhado por outrem. Assentem-se ao meu lado. Escutem meus causos. Mesmo que eles versem apenas sobre memórias. Minha memória ainda está afiada. Ai de mim se a perder algum dia. Melhor então me afastar dessa vida que tanto amo.
Quero envelhecer sem perder a lucidez. Com meus olhos ainda podendo enxergar a beleza de uma madrugada de primavera. Já que me encontro no outono inverno de minha vida.
Desejo sim envelhecer com o coração ainda pulsante. Com o cérebro em efervescência. Com as pernas andejas como hoje me encontro.
Quero sim envelhecer. Pois ainda não se pode ficar jovem para sempre. Crianças fomos. Adultos nos precederam.
Se por ventura um dia envelhecer. Que seja a posteriores de muitas batalhas vencidas. De incontáveis derrotas sofridas. Onde não faltaram aplausos e nem apupos.
Que fique velho sim. Idoso soa melhor. Decrépito jamais. Um velhinho a ser cortejado tanto por meninos e meninas. Um tiozão gostoso como um picolé de limão doce como jabuticaba madurinha.
Quero envelhecer a procura do jovem que ainda mora dentro de mim.