Decadência- palavra que denota perda do direito devido à falta de ação do titular dentro do prazo legal previsto. Após a decadência o direito não pode mais ser reivindicado.
Palavra que detém outro significado: estado de degradação que está próximo do fim ou da ruína. Que está começando a fraquejar. Dá no mesmo que empobrecimento.
Pra mim denuncia envelhecimento. Quando ficamos velhos entramos em decadência.
Nem sempre. Tenho comigo essa assertiva.
Ainda estou apto a correr distâncias quilométricas. Ando como noticia ruim. Exerço minha especialidade em ritmo mais ameno. E a inspiração brota dentro de mim bem maior de quando jovem. Estaria em decadência? Degradando-me paulatinamente? Perdendo as forças que me restam?
Bem certo, convenhamos, meus cabelos não são como antes. Perdi mais da metade deles. Os que me sobram embranqueceram. Se deixar minha barba, antes colorida na negritude de uma noite escura. Podem, no tempo presente, se por ventura entrar pela chaminé com um saco vermelho às costas, confundirem-me com o Papai Noel. E nem ao menos sou um bom velinho. Um tiozão gostoso sim. Como me apraz ser chamado quando subo pelo elevador.
Mas tenho um compadre, de nome Chico. Vizinho de cerca na minha roça. Que no dezembro em curso descolore mais um aninho. Ele chegou aos quase noventa. Gabava-se de ser o tal. Agora, tendo a idade a lhe pesar nos costados. Recurva-se ao quase centenário.
Chico era um homem inteiro. Não lhe faltava coragem para roçar a pastaria antes que ela se transformasse num sarandi danado.
No curral não renegava serviço. Ele sozinho dava conta de ordenhar, à força dos dez dedos, todas as tetas de suas vacas leiteiras. Nem conhecia ordenhadeira naqueles tempos idos. De vez em quando aparecia um lambarizinho nadando nos latões de leite. E ele dizia, boquirroto que era: “não sei como ele entrou aqui? Não pus água no leite. Simplesmente deixei a lata esfriar no ribeirão. De tampa fechada bem entendido. Se pensaram que adicionei água no leite se enganam. Meu leite é purinho como alma de criança”.
O velho Chico não era de levar desaforo pra casa. Fosse quem fosse ele enfrentava. No muque não levava a pior. Um dia, quando passava por ali, vi, com esses dois olhos que não me deixam mentir, uma cena que me espantou. Uma cascavel, de mais de vinte guisos a chacoalhar na ponta do rabo. Prestes a dar o bote num camarada. Já velho e de maior idade. Chico pulou na frente da cobra peçonhenta. De uma só olhada nos olhos dela. A cobra escafedeu-se serelepe na braquiária. Chacoalhando o guiso dizendo-se com medo do velho Chico.
Mas o tempo passa não deixando ninguém ficar pra trás.
Chico não ficou alheio ao passar dos anos. Seu porte altivo se dobrou ao peso da idade. A coluna que era retinha ficou tal e qual arco antes de desferir a flecha. Seus olhos enxergadores mal percebiam um metro adiante. Sua cabeleira vasta se perdeu dando lugar a uma calva de fazer corar uma bola de bilhar das brancas.
Foi naquela tarde de sábado que nos encontramos. Não tão tarde nem tão cedo. A lua já começava a alumiar o céu.
Com a prosa na ponta da língua começamos a prosear.
“E aí amigo Chico? Como vão as modas? Tudinho nos conformes? A saúde vai bem? Já aposentou a enxada de vez pra sempre”?
Chico ficou calado uma penca de minutos. Depois soltou a voz.
“Ah! Nem tudo são flores. Mais espinhas de peixe a retirar. Tô meio ressabiado. Não sei o que fazer. Quem sabe vosmecê pode me ajudar. Fiquei viúvo no mês passado. Mas não sei viver só. Uma doninha, da metade da minha idade, por aqui passou. Pediu abrigo. De começo pensei em dizer não. Mas meu coração dizia sim. E ele ganhou a disputa. Mas a danada era puta. E só queira fazer aquilo que desaprendi a fazer há tempos idos. Não carece dizer que a coisa falhou. Ao invés de subir desceu. Naquela hora chorei. Não de dor e sim por amor. Pena que, chegando a certo ponto da vida, a gente só come comida. Mesmo assim, se a dentadura afrouxa, nem isso comemos mais”.
Condoeu-me a situação do amigo Chico. O que fazer por ele? Rezar de nada adianta. Desejar-lhe melhor sorte quem sabe? Trocar de mulher quem sabe resolve? Por uma que só quer dormir? Seria uma boa opção.
Mas, não restam dúvidas, que vamos entrar em decadência.
Eu ainda não estou. Quero saber a opinião de vocês.