Quando chegamos a certa idade.
Longe se foi a mocidade. A infância nem vemos mais.
Disse um poeta: “oh! que saudades que eu tenho. Da aurora da minha vida. Da minha infância querida que os anos não trazem mais! Que amor, que sonhos, que flores. Naquelas tardes fagueiras. À sombras das bananeiras. Debaixo dos laranjais”. E por aí vai Casimiro de Abreu.
Já deixei a infância de lado. Bons anos atrás.
A juventude se perdeu na distância. Meus dezoito anos se foram ao galgar a maior idade.
A fase adulta em mim brotou a responsabilidade. Foi quando me casei.
Já doutor, sem a titulação devida. Pois nunca fiz mestrado ou doutorado.
Chamavam-me assim por ser médico. Uma profissão que era respeitada em tempos idos. Agora perdeu um pouco o brilho. Talvez por encontrarmo-nos quase a cada esquina.
Recém titulado e especializado aqui cheguei em meados de um mil novecentos e setenta e sete. Sendo o pioneiro em minha arte de tratar pedras nos rins e operações de próstata sem incisões maiores.
Foram anos difíceis e de sono encurtado. Dias e noites se confundiam.
Pelas manhãs acordava bem cedinho. De hospital a hospital visitava pacientes. Recém operados ou em cirurgias que varavam horas. E voltava a casa extenuado. Mal digerindo a comida lá ia eu de novo. A unidades de saúde onde tentava sanar dores. Mas eram tantos os dissabores que me sentia incapaz.
Já passei por tantas coisas. Tantos casos bem resolvidos. Pacientes satisfeitos com o tratamento. Já outros, nem tanto.
Anos perdidos nas lembranças se foram na distância.
Esse anel que trago no dedo anular da mão esquerda me faz recordar da minha colação de grau. Encontrei-o entre meus guardados. Pensava que ele nem existisse mais. Foi meu pai que me presenteou. Nele se vê escrito: Paulo Abreu- data 1974.
Cinquenta anos se foram. Desde que me tornei médico. Somos jubilados.
Olhando pra trás me vejo como ele. Meu netinho Dom. O mais novinho dos três.
Ontem foi sua primeira colação de grau. Serelepezinho fui assisti-lo no mesmo auditório onde anos dantes recebi meu primeiro diploma. Não o tenho mais. Guardo sim meu primeiro boletim recheado de notas boas.
Que festa supimpa pude assistir no dia de ontem. Dizem com sabedoria que a gente pode sair do Gammon. Mas ele não sai da gente.
Já passei por tudo isso querido Dom. Torço pelo seu sucesso. Você ainda não passou pelos seus oito anos. Tem apenas seis. Sete chega daqui a alguns dias.
Seu caminho ainda não está traçado. Como do seu avô.
Tens muita coisa a passar. Eu já passei por elas.
Já passei pela sua idade. Já ultrapassei bem mais da metade do tempo que me sobra.
Se contabilizar anos, meses, dias, horas, não sei quantas me restam.
Desejo que você passe, querido netinho Dom, bem menos tribulações que seu avô passou.
Bem sei que o tempo passa. Nós passaremos. A vida não nos permite retroceder no tempo.
Faça bom uso do seu tempo. Ainda criança você é. Já eu não sou mais.
Não perca seu precioso tempo fazendo como seu avozinho. Vivendo de memórias. Perdendo tempo em reviver o passado. Viva o hoje e o agora.
E se você se lembrar de mim. Seu avozinho que tanto lhe quer bem. Lembre-se de mim quando no dia de ontem pude vê-lo receber seu primeiro diploma. O meu nem o tenho mais.
Já passei por tudo isso que você irá passar.
Que seu caminho seja recheado de sucesso e boas lembranças. Como as que guardo dentro de mim. Até quando não mais puder lembrar delas.