Envelhecer é inevitável. Sofrer por isso, opcional.
Nem todos que ficam velhos sofrem por alguma coisa.
Muitos encaram a velhice como dádiva dos céus.
“Missão cumprida!”
Dizia jubiloso meu avozinho Rodartino Rodarte.
Aquele senhor de mais idade. Que quase atingiu o centenário. Sempre vestido com seu terninho azul com riscas de giz branco. Calça da mesma cor suspensa por um suspensório encoberto por uma blusa amarronzada. Nos pés andejos uma sandália bem gasta na sola. Um par de óculos que lhe permitia enxergar além das entrelinhas. Andando sempre com um caderninho onde anotava seus devedores. Não diria que ele seria um agiota na expressão exata dessa palavra feia. Pois simplesmente ele, escrivão de um cartório de notas herdado por meu tio Rui, de mesmo sobre. Emprestava seu dinheirinho a juros da sua altura diminuta. Pessoa admirada por toda cidade. Até hoje me param nas ruas com essa admoestação a qual ouço todo orgulhoso: “foi seu avô que fez minha certidão de nascimento. Anos depois foi ele mesmo que nos casou no seu cartório. Pessoa boa o senhor Rodartino”.
Parece que dele herdei seu costume de andar sempre. Só que não uso sandália. Somente tênis. E o suspensório um dia comprei. Só que ele fica dependurado no cabide. A espera de um dia ficar velho como ele.
Quando ainda somos jovens podemos quase tudo.
As pernas nos obedecem. Os braços rijos e fortes dão conta do recado. A visão alcança o infinito. O andar ainda é ereto. O sono se alonga a muitas horas. O despertar tem a disposição de encarar o mundo.
Quando ficamos velhos tudo muda. O sono encurta. As horas não passam. A parceira ressona ao nosso lado. Não digo ronca para não azedar ainda mais nossa relação já bem conturbada.
Quando jovens corremos distâncias infinitas. Uma vez idosos mal caminhamos. Nem amuletados andamos.
Tenho um amigo de quase a minha idade. Seu nome se escreve Joaquinzinho.
Tudo nele é diminutivo. Começando pela sua altura que não passa de metro e mucado. Mucadinho diz ele, com sua vozinha fanha.
Joaquinzinho já esta no duodécimo casamento. Já enterrou dezenas de esposas. Não foi bem casado. Ajuntando soa melhor aos nossos ouvidos.
Bom de cama pra dormir. Cochila só de pensar numa boa cama.
Um folgazão desde molequinho Joaquinzinho nunca foi de pegar na enxada. Foi-se o tempo de pegar na foice. O único oficio que lhe apraz era ficar fazendo nada.
Ele acordava bem cedinho para ficar mais tempo a- toa. Trabalho não era com ele. Vivia da renda das princesas que com ele repartiam a falta de sorte.
Joaquinzinho era bom de prosa. Contava mentiras que nem ele acreditava.
Um dia o encontrei numa tarde morta.
Foi numa pracinha pertinho de aqui.
Joaquinzinho era um esvazia banco. Onde ele se assentava não ficava nenhuma alma viva nem morta. Também ninguém suportava sua prosa insossa.
Sem saber como escapar dei de cara com ele. E o danado me chamou a conversar.
“Calma. Aonde você vai? Pra que tanta pressa? Assenta aqui. Não paga nada”.
Eu, sabendo da sua fama de prosa ruim não tive como não me furtar ao seu encontro. Nada amistoso se não parasse um minuto.
E ele palrava pelos ouvidos. Não seria melhor pela boca?
“Olha aqui. Nos meus olhos. Acabei de ser operado de catarata. Tô enxergando melhor que dantes. Estou na quinta mulher. Já tive muitas. Agora escolho a mais bonita. Aquela que melhor sabe cozinhar. Estou na melhor fase de minha vida. Mulher não me falta. Só não vou-me embora pra Pasargada pois aqui, embora não seja amigo do rei, tenho a mulher que quero na cama que escolherei. Uma coisiquinha me incomoda. Minha pipa não sobe mais. Mesmo se o vento assopra bem forte. Sei que você é médico especialista justamente nisso. Não pode me dar uma receitinha de um remedinho milagreiro”?
Naquela hora pensei cá comigo. Se nem carteirinha de um bom plano de saúde eu poderia passar. Já que não estava no meu consultório. Para não perder um amigo. Que nem era. Acabei receitando uma pilulazinha na qual confiava.
Só me faltava isso.