Quantas palavras tenho a dizer.
E elas acabam engasgando em meu querer.
Se pudesse contar quantas letras seriam, uma página somente seria insuficiente. Um livro inteiro talvez fosse o bastante para extravasar tudo aquilo que sinto para manifestar tamanha amizade. Que nem mesmo a distância que nos separa deu conta de atenuá-la.
Estamos apartados não somente pelos longos anos de convívio. Já que esses cinquenta anos foram poucos. Não o suficiente para que a faculdade de medicina fechasse suas portas a nossa amizade. Foram cinco anos de estudos. Para que nossos sonhos se materializassem. De apenas sonhos se convertessem em realidade.
Já que todos nós tínhamos um objetivo comum. Sermos cidadãos prestantes engajados numa medicina de ponta.
Cinquenta anos se passaram. Quase uma vida inteira.
Alguns de nós já não mais exercem a medicina. Quem sabe eles nos olham lá do alto. Com olhares ternos de saudade.
Estamos jubilados.
Nesse nosso último encontro foi um reencontro não sei se vai ser o derradeiro. Desejo que não seja. Afinal já se passaram tantos anos.
Ainda me lembro da nossa faculdade. Ali, naquela avenida na capital mineira. Onde aprendi a engatinhar pela medicina. Foram cinco anos de estudos. De aprender naqueles grossos compêndios que a arte de curar e atenuar dores não é tão fácil como previa. São requisitos fundamentais gostar de cuidar dos outros. Em detrimento de nós mesmos.
Nosso reencontro se deu numa cidade histórica. Berço da conjuração mineira.
Em Belo Horizonte não compareci. Essa cidade agora me assusta. Um trânsito ensandecido me faz pensar no bucolismo na minha amada Lavras de agora. Sou bicho do mato acostumado ao cantar do galo. Um homem urbano com o umbigo enterrado na cidade, mas a alma intimamente ligada à roça.
Gostaria de dizer a vocês, caríssimos colegas.
Como foi prazeroso o nosso encontro.
Mesmo sabendo da ausência de tantos. Mas esses quase cem foram suficientes para me lembrar de todos eles. Naquelas aulas chatas de bioquímica. Ou naquelas matérias que não me apeteciam. Enfim fomos levados às disciplinas outras que me faziam degustar de ser médico. Afinal era exatamente isso que queríamos. Sermos médicos especialistas ou generalistas. Dá no mesmo. Tudo enseja o mesmo caminho. Cuidar de outrem sem pensar nas próprias dores. Escrutinar o corpo humano tentando ir além de sua alma. Tentar entender as doenças tentando incutir nas pessoas que o dom maior que fomos brindados é gozar de boa saúde. Até que a morte nos venha buscar.
Gostaria de dizer a vocês. Queridos colegas. Que nem a distância que nos separa deu conta de fazer de nós menos amigos. Pude sentir isso em nosso recente encontro.
Caras pra mim desconhecidas. Rostos mudados. Feições alteradas. Só contribuíram para estreitar ainda mais nossos abraços.
Coincidentemente a data de sábado foi meu cumpleanos. Dia sete deixei o quatro ir de encontro ao cinco.
Foi o melhor aniversário que já passei. Melhor ainda de quando menino assoprava velinhas num bolo feito pela minha mãezinha.
Aquela festa não foi só pra mim. Foi para todos nós colegas setentões; por que não dizer amigos de verdade.
Foi uma festa de arromba. Verdadeiro congraçamento. Em absoluto não foi um fragmento de um banquete de vida. Foi uma banquete inteiro.
Aprazer-me-ia dizer a vocês. Colegas de tantos anos. Foi imensamente bom revê-los de novo. Que esse encontro se repita não em mais cinquenta anos. Talvez, se esperarmos tanto, com idade que nos cavalga às costas, quem saberia dizer que vai haver um próximo encontro?
Gostaria de lhes dizer tantas coisas. Queridos colegas de faculdade. Que palavras me faltam.
Mas não nos faltou alegria em nosso reencontro. Nem mesmo amizade genuína. Foi deveras um banquete, entremeado de abraços. Onde não faltou nadinha de nada.
Que venham outros encontros com mais brevidade. Antes que nos encontremos, lá em cima. Juntinho aos nossos colegas que exercem a medicina no céu.