Por vezes fico pensando em dar formas humanas a saudade.
Caso fosse mulher, como seria ela? Que cor dar aos seus cabelos?
Qual estatura daria a essa pessoa? E seus olhos? Seriam claros como uma madrugada ensolarada? Ou esverdeados como um mar bravio acoitado por uma tempestade?
Qual seria a sua idade? Jovem ainda ou já bem vivida em anos?
Essa mulher, cujo nome seria Saudade, deve ter deixado muito dela a sua ausência.
Seu sobre deve ter sido Nostalgia, Melancolia, ou até mesmo Dona Que Nunca Vai Ser Esquecida. Pois, a sua morte muitos irão prantear a sua falta. Já que dona Saudade apenas semeou coisas boas durante sua vida. Pena que ela se foi deixando seu nome gravado em nossa memória. Com essas letrinhas perfiladas- Saudade.
E se fosse homem? Como seria ele?
De baixa estatura, de ombros largos, sorriso farto? Calvo ou cabeludo? Barrigudo ou de barriga desbarrigada? Seria ele casado ou separado? Teria filhos ou netinhos espertinhos? Seria de mais idade ou em plena mocidade? Qual seria sua ocupação? Se aposentado talvez tenha deixado como legado aos seus sucessores uma larga folha corrida de bons serviços prestados a comunidade. Como médico deve ter se empenhado em salvar vidas. Como causídico deve ter abraçado culpados ou inocentes. Até que se prove o revés todos somos inocentes perante a lei.
O nome desse homem não seria Senhor Saudade. Melhor pra mim seria nomeá-lo Senhor Saudoso. Se fosse chamá-lo de Saudade seria um tanto afeminado. Não sei o que pensam da minha escolha.
E de que cor seria o personagem por mim idealizado como Saudade? Seria de uma cor amarelo ouro? Ou mais desbotada devido ao tempo de uso? Poderia também acinzentar o cinza. Mais ainda que o céu se colore na manhã de hoje sete de novembro.
Saudade pessoa deve ter deixado uma prole magnífica. Crianças em contínuo folguedo. Adultos em azáfama constante sem tempo para o descanso. A sua ausência todos sentirão. O Senhor Saudoso, que seja dona Saudade, uma vez passados a outra vida deixarão um vazio enorme impreenchível.
O que deixaria escrito como frase lapidar no túmulo desses dois Saudosos? E que flores iria deixar no tampo de seus jazigos?
No do senhor Saudoso deixaria os mesmos dizeres que constam sobre a lápide do meu pai: “exemplos ficam. Saudades não morrem nunca”.
No da Senhora Saudade seria o mesmo do de minha querida mãe: “um dia você partiu. E levou o melhor do meu eu”.
Sobre que flores deixar seriam essas. Dividiria um vaso de crisântemos entre os dois. Distribuiria pétala por pétala, caule por caule, lágrimas para cada um. E deixaria minha saudade eterna dizendo que nunca os esquecerei. Até quando nos juntarmos, um dia, na azulice do céu, ao lado de Deus Pai Nosso Senhor.
Com que roupa vestiria a Dona Saudade? E qual mulher melhor seria a musa inspiradora do que seja a Dona Saudade?
Voltando a minha mão direita percebo uma velha fotografia. Nela constam três pessoas.
À direita eu mesmo. Usando barba e bigode. Cabelos ainda fartos. Olhar distante e expressivo.
Do outro lado minha esposa Rosemirian num costume negro e um sorriso transparente como sualma.
Entre nós dois a Senhora minha querida mãe Rute vestindo um terninho azul clarinho da cor do céu.
Ninguém melhor que a senhora, minha mãe. Para dar nome ao personagem no qual hoje me inspirei. Que foi retratada como Dona Saudade. Retrato em preto e branco do que sinto agora e sempre. Jamais a esquecerei.